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Qualquer pesquisa que se faça, atribui-se as mazelas da vida pública à ausência de uma reforma política moralizadora. Isto é preocupante, porque não será apenas a reforma política que irá fazer com que os partidos sejam valorizados e aproxime os representantes dos representados.
A reforma política é um tema recorrente. Em momentos de protestos, como os de junho e julho de 2013, em início de mandato presidencial e de Legislatura do Congresso, como agora, ou quando há escândalos de corrupção envolvendo políticos, e os últimos tempos têm sido pródigos nesse tipo de escândalo, o assunto da reforma política volta às páginas dos jornais e à agenda da sociedade, do Parlamento e do governo.
Qualquer pesquisa que se faça, atribui-se as mazelas da vida pública à ausência de uma reforma política moralizadora.
Isto é preocupante, por três motivos.
Em primeiro lugar, porque não será uma tarefa fácil promover uma reforma política moralizadora, que valorize os partidos e aproxime os representantes dos representados.
Além da complexidade e polêmica do tema, há interesses políticos, partidários e pessoais envolvidos, que podem comprometer o projeto de reeleição de muitos parlamentares.
Qualquer reforma estrutural no sistema eleitoral terá ganhadores e perdedores. É uma questão de escolha.
Por isso, até agora os interessados numa reforma com esse escopo não conseguiram reunir votos suficientes para aprová-la, nem mesmo em nível infraconstitucional.
Em segundo lugar, porque, mesmo que se faça uma ampla reforma política, não existe garantia de que ela efetivamente irá resolver todas as mazelas da vida pública, como virou senso comum.
A falta de educação política e os custos da participação só serão superados com mudança cultural dos eleitores e principalmente das lideranças políticas e partidárias.
Enquanto as pessoas não souberem o que são, para que servem, o que fazem e como funcionam as instituições, não haverá representação política autêntica, com participação e controle político e social.
As escolas, os partidos, a imprensa, ninguém cuida desse aspecto. Os desatentos, por assimetria de informação ou por descrença na vida política não mudarão de atitude se não forem informados e alertados sobre o papel das instituições.
Por exemplo: a maioria das pessoas não sabe que a missão institucional do Parlamento, constituído de representantes de partidos, é organizar, democrática e pacificamente, as contradições que a sociedade não pode nem deve assumir, sob pena de retorno da barbárie, com estado permanente de guerra.
Em lugar de esclarecer e informar faz-se a opção pelo denuncismo, muitas vezes inconsequente.
A cultura do escândalo, que é muito boa para revelar as imperfeições do nosso sistema de representação, tem sido excelente para esconder as deficiências estruturais da nossa República.
O foco deixa de ser revolver ou suprir a lacuna que possibilitou determinada conduta reprovável, corrupta ou criminosa, e passa a ser apenas e tão somente punir o culpado pelo desvio de conduta.
Como, em geral, os culpados gozam de imunidades, privilégios ou dispõem de muito dinheiro e podem contratar bons advogados, favorecidos pela possibilidade quase infinita de recursos, raramente ou quase nunca vão para a cadeia.
Com isso, em lugar de educar, deixa o cidadão revoltado e descrente da vida pública.
Em terceiro lugar, porque não adianta mudar o sistema eleitoral se não houver mudança de cultura, especialmente nos partidos políticos.
Enquanto os partidos apresentarem programas para ganhar a eleição e não para governar, dificilmente será aperfeiçoado o sistema de representação.
Os partidos são entidades civis, com autonomia e independência, com liberdade para atuar livremente, sem qualquer interferência ou intervenção do Estado.
Entretanto, com raras exceções, não se autorregulam.
Por exemplo: não controlam filiação, falta-lhes nitidez ideológica e programática, não existe clivagem social clara, não existe coerência entre discurso e prática, permitem o caixa dois nas campanhas eleitorais etc.
Promovem alianças sem compromisso ideológico ou programático, que resultam em pulverização partidária, como nestas eleições de 2014, cujo número de partidos com representação no Congresso passou de 22 para 28.
Enquanto os partidos, nas eleições proporcionais, recrutarem seus candidatos e fizerem as coligações preocupados apenas em aumento seu espaço no horário eleitoral gratuito e sua fatia no fundo partidário, não haverá uma representação autêntica.
Até no quesito fidelidade, que os partidos poderiam exigir daqueles que exercem mandato, falharam. Precisou o STF decidir por eles.
As tentativas de reformas sempre são bem intencionadas e visam melhorar a representação política, que é institucionalizada por intermédio dos partidos políticos.
Em última análise, elas objetivam aperfeiçoar o sistema de representação e, muitas vezes, as reformas são feitas para aumentar ou diminuir o número de partidos.
Desde que os partidos ganharam dimensão nacional, a partir de 1945, com exceção do período de 1965-1979 do regime militar, em que vigorou o bipartidarismo, sempre houve pluripartidarismo.
Moderado, como no período de 1980 a 1985, quando existiam seis partidos. Menos moderado, como no período de 1986 a 1988, porém com um partido majoritário (PMDB). E exacerbado, de 1989 até os dias atuais, quando se chegou a 28 partidos com representação na Câmara.
A forma mais eficaz de reduzir o número de partidos, sem retirar-lhes a autonomia e independência, tem sido a instituição de cláusula de barreira ou o fim das coligações nas eleições proporcionais, o que requer mudança constitucional.
Para contribuir com o debate sobre o tamanho das bancadas, o DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar projetou três cenários para a composição da Câmara dos Deputados com mudança no sistema eleitoral, considerando os votos obtidos por cada partido na eleição de 2014. São eles: 1) fim das coligações nas eleições proporcionais, 2) adoção do distritão e 3) instituição da cláusula de barreira conforme tabela abaixo.
Simulação de sistema eleitoral
PARTIDOS |
COLIGAÇÃO |
DISTRITÃO |
SEM COLIGAÇÃO |
PT |
69 |
71 |
102 |
PMDB |
65 |
70 |
102 |
PSDB |
54 |
53 |
68 |
PP |
38 |
37 |
32 |
PSD |
36 |
40 |
29 |
PR |
34 |
32 |
24 |
PSB |
34 |
34 |
41 |
PTB |
25 |
25 |
19 |
DEM |
21 |
23 |
13 |
PRB |
21 |
19 |
14 |
PDT |
20 |
21 |
12 |
SD |
15 |
13 |
8 |
PSC |
13 |
15 |
10 |
Pros |
11 |
10 |
6 |
PCdoB |
10 |
12 |
5 |
PPS |
10 |
8 |
5 |
PV |
8 |
5 |
7 |
PHS |
5 |
2 |
1 |
PSol |
5 |
6 |
6 |
PTN |
4 |
4 |
1 |
PMN |
3 |
3 |
0 |
PRP |
3 |
4 |
0 |
PEN |
2 |
1 |
0 |
PTC |
2 |
1 |
0 |
PSDC |
2 |
0 |
3 |
PRTB |
1 |
1 |
3 |
PSL |
1 |
1 |
0 |
PTdoB |
1 |
2 |
2 |
Total |
513 |
513 |
513 |
Fonte: Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) |
De acordo com a simulação acima, com base no resultado das eleições de 2014, os principais beneficiários seriam os grandes partidos (PMDB, PT e PSDB). Haveria, em consequência do fim das coligações, uma redução de 28 para 23 do número de partidos com representação na Câmara.
O PMDB aumentaria 36 deputados, passando de 66 para 102; o PT, 32, aumentando de 69 para 102; e o PSDB, 17, subindo de 54 para 71. Entre os médios, apenas o PSB cresceria, passando de 34 para 41. Partidos como PEN, PMN, PRP, PRTB, PSL e PTC ficariam sem representação na Câmara.
Já a adoção do Distritão, que consistia na substituição do atual sistema proporcional pelo majoritário na eleição para a Câmara dos Deputados, os grandes e médios seriam os principais beneficiários. Por esse novo sistema, elegem-se os mais votados, independentemente de partidos. Assim, em São Paulo, os 70 mais votados seriam os eleitos.
Na hipótese de adoção do Distritão nenhuma legenda crescia mais que dez nem perderia mais do que dez parlamentares. As oscilações nas bancadas, portanto, seriam bem menores que na hipótese do fim das coligações.
Ganhariam o PT, o PMDB, o PSD, o DEM, o PDT, o PSC, o PCdoB, o PSol, o PRP e o PTdoB. Perderiam o PSDB, o PP, o PR, o PRB, o SD, o Pros, o PPS, o PV, o PHS, o PEN, o PTC e o PSDC. Ficariam do mesmo tamanho, o PSB, o PTB, o PTN, o PMN, o PRTB e o PSL.
O DIAP também fez simulação com a hipótese de cláusula de barreira para saber qual seria o número de partidos no Congresso.
O critério empregado foi o mesmo proposto no art. 13 da Lei 9.096/95, de 5% dos votos nacionais e de 2% em pelo menos nove estados. A conclusão é que o número de partidos com representação na Câmara dos Deputados cairia de 28 para sete partidos: PMDB, PT, PSDB, PSB, PP, PSD e PR. Todos os demais ficariam sem representação na Câmara.
Um dos principais problemas da reforma política, é que os temas com maior consenso na sociedade exigem mudança na Constituição, o que requer um quórum de 3/5 ou 308 votos na Câmara e 49 no Senado, enquanto os temas que precisam apenas de maioria simples para sua aprovação (o voto de metade mais um dos presentes, desde que presente a maioria absoluta, 257 deputados e 41 senadores), são os mais polêmicos e complexos.
O fim das coligações, a cláusula de barreira e a eleição de suplente de senador, por exemplo, tem grande consenso na sociedade, mas sua aprovação depende de alteração no texto constitucional, o que exige quórum de 3/5.
Já temas como financiamento exclusivamente público de campanha ou a proibição de contribuições de empresas ou, ainda, a adoção do sistema de lista fechada, que exigem quórum de maioria simples para sua aprovação, são muito polêmicos e complexos, dividindo praticamente todos os partidos.
Por isso, muitos aspetos da reforma com algum grau de polêmica que demandam alteração constitucional – como a substituição do voto proporcional pelo majoritário, o fim das coligações nas eleições proporcionais, a adoção da cláusula de barreira, a instituição de voto facultativo, a destituição de mandato (recall), a previsão de candidaturas avulsas, o fim da reeleição, a eleição para suplente de senador e o aumento do mandato dos titulares do Poder Executivo – dificilmente serão aprovados pelo atual Congresso sem um plebiscito ou uma concluinte exclusiva.
A comissão da reforma política, instalada em fevereiro de 2015, terá como ponto de parti do a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 352/13, elaborado pelo Grupo de Trabalho coordenado pelo ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).
Ela trata de diversos temas, conforme quadro comparativo a baixo:
ASSUNTO |
COMO É |
COMO FICARÁ |
COMENTÁRIOS |
Voto |
Voto e alistamento eleitoral obrigatórios |
Voto facultativo e alistamento eleitoral obrigatório |
Institui o voto facultativo em substituição ao obrigatório |
Filiação partidária |
Um ano antes do pleito |
6 meses antes do pleito |
Reduz de um ano para seis meses o prazo de filiação como condição para concorrer a mandatos eletivos |
Fidelidade partidária |
Por decisão judicial |
Estatuto do partido |
Obriga a inclusão da disciplina e da fidelidade partidária nos estatutos dos partidos |
Coligações em eleições proporcionais |
Livres |
Desde que fiquem vinculados (bloco) até o fim da legislatura |
Na eleição proporcional nos estados só poderão ser integrada por todos ou alguns dos partidos que, em nível nacional, tenham decidido constituir federação para compor bloco parlamentar na Câmara dos Deputados. |
Federação de partidos |
Inexiste |
Será permitida e os partidos deverão estar juntos em toda a legislatura |
Passa a ser condição para que haja coligação na eleição proporcional |
Criação de partidos |
Apoiamento de, pelo menos, 0,5% do eleitorado da última eleição para a Câmara dos Deputados |
Apoiamento de, pelo menos, 0,4% do eleitorado ou apoiamento de, pelo menos, 5% dos deputados federais |
Reduz o número de assinaturas e permite a criação só com o apoiamento de deputados, cinco por cento da composição da Câmara dos Deputados. |
¹Funcionamento parlamentar |
Livre |
Só para os partidos que tenham alcançado 5% dos votos para as respectivas Casas legislativas |
Reduz as prerrogativas dos partidos que tenha tido menos de 5% dos votos para a respectiva casa legislativa. Não farão parte da Mesa Diretora, não terão liderança nem poderão eleger parlamentar para presidência de comissões, entre outras vedações. |
Fundo partidário |
5% para todos os artidos e 95% distribuídos proporcionalmente aos votos obtidos na última eleição para a Câmara dos Deputados |
O acesso ao fundo partidário fica restrito aos partidos que tenham obtido na última eleição para a Câmara dos Deputados 5% dos votos gerais, distribuídos em pelo menos 1/3 dos estados, com o mínimo de 3% em cada um deles |
Só terão acesso ao fundo partidários os partidos que atingirem os novos requisitos: 5% dos votos nacionais, distribuídos em pelo menos 1/3 dos Estados, com não menos de 3% em cada um deles. |
Horário eleitoral |
1/3 distribuído entre todos os partidos e 2/3 proporcionais à bancada eleita para a Câmara dos Deputados |
O acesso ao horário eleitoral gratuito fica restrito aos partidos que tenham obtido na última eleição para a Câmara dos Deputados 5% dos votos gerais, distribuídos em pelo menos 1/3 dos estados, com o mínimo de 3% em cada um deles |
Só terá acesso ao horário eleitoral gratuito os partidos que atingirem os novos requisitos: 5% dos votos nacionais, distribuídos em pelo menos 1/3 dos Estados, com não menos de 3% em cada um deles. |
Financiamento de campanha |
Privado (pessoa física e jurídica) |
Opção entre exclusivamente privado, exclusivamente público ou misto |
Será feita apenas aos partidos, que escolhem se será só público, só privado ou misto. |
Circunscrição eleitoral |
Todo estado |
Divisão dos estados para eleição, por circunscrição para eleição de 4 a 7 deputados |
Os estados serão divididos em circunscrições eleitorais para o preenchimento de 4 a 7 vagas. Os municípios continuam como circunscrição única para eleição de vereadores. |
Quociente eleitoral |
Divisão dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, assembleias estaduais e câmara de vereadores pelo número de vagas de cada circunscrição atual (estado e município) |
O parlamentar para ser eleito precisa ter obtido, no mínimo, 10% do resultado da divisão do número de votos válidos na futura circunscrição pelo número de cadeiras a preencher |
Passa a exigir votação mínima de 10% dos votos válidos da circunscrição para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores. |
Eleição por sobra |
Pela maior média partidária e apenas para os partidos que atingiram o quociente eleitoral |
Os lugares não preenchidos com os 10% dos votos serão ocupados pelos candidatos individualmente mais votos |
As vagas não preenchidas pelos 10% serão ocupadas pelos candidatos individualmente mais votados. Acaba com o sistema de maior média e todos partidos participam de sua distribuição. |
Coincidência de mandatos |
Eleições alternadas |
Coincidência das eleições |
Só haverá eleição de quatro em quatro anos e não mais de dois em dois. |
¹Os partidos sem direito a funcionamento parlamentar, embora possam participar das votações em Plenário e nas comissões, não terão direito a constituir liderança, nem a prerrogativa de presidir comissões ou participar de eleições da Mesa. |
O que vai resultar do trabalho da comissão especial, considerando o grau de polêmica e resistência aos temas tratados na PEC, especialmente por parte dos médios e pequenos partidos, ninguém será capaz de antecipar.
Uma coisa, entretanto, parece certa. Nenhuma mudança estrutural será aprovada sem regra de transição. A tendência é que as mudanças continuem sendo incrementais.
A grande verdade é que vivemos em reforma política permanente desde 1985, de modo incremental, com uma ou mais mudança em cada período de quatro anos, conforme exemplificado a seguir.
Princípio da anterioridade (1993) – EC 4 (art. 16 da CF) – lei que alterar o processo eleitoral só vigora se aprovada um ano antes da eleição.
Lei de inelegibilidades (1994) – Lei Complementar 81 – perda do mandato por oito anos.
Lei dos partidos políticos (1995) – Lei 9.096 – funcionamento parlamentar (5% nacional, e 1/3 deles com pelo menos 2% dos votos válidos – foi declarada inconstitucional onze anos depois, exatamente no ano em que entraria em vigor.
Lei geral das eleições (1997) – Lei 9.054 – regras permanentes para as eleições e institui o sistema eletrônico de votação.
Lei de compra de voto ou captação de sufrágio (1999) – Lei 9.840, de iniciativa popular – transforma em fraude o que antes era definido como crime.
Mini-reforma eleitoral (2006) – Lei 11.300 – reduz gastos de campanha, com fim de brindes e outdoor.
Fidelidade partidária (2007) – decisão do STF sobre fidelidade partidária.
Mini-reforma para 2010 (2009) – Lei 12.039 – autoriza a punição por evidência do dolo e amplia prazo para representar contra condutas vedadas.
Ficha Limpa (2010) – Lei Complementar 135 – inclui novas hipóteses de inelegibilidade, protege a probidade administrativa e a moralidade no exercício de mandato.
Proibição de portabilidade do fundo partidário e do horário eleitoral gratuito – Lei 12.875, de 30 de outubro de 2013.
Assim, a julgar por este histórico, as reformas serão sempre graduais, com um passo de cada vez. Entretanto, esperamos e confiamos que, na nova legislatura, com a pressão da sociedade, se avance: 1) no fortalecimento dos partidos, dando-lhes consistência ideológica e programática, 2) no combate à corrupção, 3) na promoção de equilíbrio na disputa eleitoral, e 4) na aproximação dos representantes dos representados.
(*) Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap
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