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Integrantes do GT20, grupo interministerial criado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), em visita ao Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Foto: Tenente Alchorne
Apresentado pelo governo federal, no início de outubro, o projeto de lei que cria a Alada, uma empresa pública aeroespacial, faz parte do plano de militares da Aeronáutica de transformar a base de Alcântara, no Maranhão, em um polo de lançamento de foguetes.
O plano da FAB mira um cliente em especial: a Space X, do bilionário sul-africano Elon Musk.
Um relatório elaborado por um grupo interministerial com participação de oficiais da Força defende que a estatal tenha primazia na exploração comercial das atividades privadas no local e faz menção à companhia estrangeira.
Procurada, a Força Aérea Brasileira (FAB) não se manifestou até a publicação da reportagem.
O estudo de mercado anexado ao documento, em que foram mapeadas as principais participantes do setor, trata a empresa de Musk como uma das mais inovadoras, elogia sua capacidade de reutilizar foguetes já lançados e destaca a sua rede de satélites, a Starlink, considerada a maior do mundo.
“A Space X domina a reutilização e executa os lançamentos da Starlink em custo marginal, com a recuperação e reutilização do Falcon 9 se tornando um novo padrão, o primeiro lançador totalmente reutilizável, abrindo o caminho para lançamento a custo marginal”, diz.
Outras empresas também são citadas, como a Virgin Galactic e a Blue Origin.
As Forças Armadas já mantêm parcerias com Musk.
Em agosto, o Comando Militar da Amazônia (CMA), que atende aos Estados do Amazonas, Rondônia, Roraima e Acre e atua na proteção das fronteiras, contratou o serviço de internet da Starlink para unidades militares daquela região.
Em setembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma investigação sobre um suposto favorecimento na licitação, de R$ 5 milhões.
De acordo com a denúncia, a empresa era a única capaz de atender às exigências do edital.
O Exército disponibilizou ainda 100 pontos de internet da rede de satélites para comunidades localizadas no Rio Grande do Sul durante as enchentes que mataram mais de 170 pessoas no Estado.
Ao justificar a importância do projeto de criação da Alada, os militares citam as necessidades de comunicação via satélite do governo, o fornecimento de internet banda larga e o apoio a missões militares, demandas já atendidas pela Starlink no País.
O presidente brasileiro, Lula, tem um histórico de críticas a Musk, devido a disputas do empresário com o Supremo tribunal Federal (STF) relacionadas ao X, rede social da qual é dono.
“De repente você tem um cidadão que se transformou no mais rico do mundo que ousa desafiar as constituições dos países que não concordam com ele. Aonde nós vamos parar? Aonde a democracia vai se sustentar?”, disse ele em evento realizado em setembro na Assembleia Geral da ONU.
Na época, a plataforma estava bloqueada no Brasil após descumprir determinações da Corte.
O presidente já havia feito críticas anteriores em que o acusou de desrespeitar as leis brasileiras.
“Seremos sempre intolerantes com qualquer pessoa, tenha a fortuna que tiver, que desafie a legislação brasileira. Nossa soberania não está à venda”, disse em pronunciamento público de rádio e TV.
Se for formalmente criada – o que ainda depende de aprovação do Congresso –, a Alada será dependente de recursos do Tesouro e subsidiária da Nav Brasil, vinculada ao Ministério da Defesa e presidida pelo Major-Brigadeiro do Ar, José Pompeu dos Magalhães Brasil Filho.
De acordo com o relatório, a nova estatal poderia abrir subsidiárias no exterior e formar sociedade com outras empresas públicas.
A implantação do plano de negócios faria com que a Alada deixasse de consumir verbas da União “em curto espaço de tempo”, diz o documento.
Os militares acreditam que a proximidade de Alcântara da linha do Equador garante uma vantagem competitiva em comparação com outros centros de lançamentos do mundo, pois o consumo de combustível é menor.
Isso se deve à proximidade do local em relação ao espaço, o que reduz o percurso e a força da propulsão necessária.
Batizado de GT20, o grupo de trabalho que elaborou o projeto de lançamentos de foguetes a partir de Alcântara foi criado pelo Gabinete de Segurança Institucional em dezembro do ano passado e teve participação ainda do Comando da Aeronáutica, da Agência Espacial Brasileira, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e de quatro ministérios: Defesa, Comunicações, Ciência e Tecnologia e Indústria e Comércio. Dos oito integrantes titulares, metade são militares da Força Aérea Brasileira (FAB).
Entre eles, estão o secretário de Coordenação e Assuntos Aeroespaciais do GSI, o brigadeiro do ar Marco Aurélio Valença, o coronel aviador Erivando Pereira Souza, que representou o Comando da Aeronáutica, e o diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação do Ministério da Defesa, Major-Brigadeiro Luciano Rechiuti.
O GSI e a Defesa foram procurados, mas não quiseram se manifestar.
Plano de negócios da Alada requer investimentos públicos bilionários
O relatório final, concluído em julho, propõe a criação da Alada, faz um diagnóstico sobre problemas de infraestrutura em Alcântara e pede a resolução de todos os empecilhos em até cinco anos.
Não há detalhes sobre o custo total do projeto, mas somente a construção de um terminal portuário na cidade e a operação de barcos para transportar trabalhadores de São Luís até o complexo militar onde os lançamentos são realizados poderia chegar a R$ 11 bilhões.
Os recursos sairiam do Programa de Aceleração do Desenvolvimento (PAC) ou do Fundo de Desenvolvimento Regional do Nordeste (FDNE).
As questões mais urgentes, como a reforma dos portos do Jacaré, em Alcântara, e de Itaqui, em São Luís (MA), precisariam ser resolvidas em dois anos, ainda na gestão de Lula.
Outras ideias mais ambiciosas incluem, por exemplo, a constituição de um regime tributário específico nos moldes da Zona Franca de Manaus, para atrair fornecedores, e poderiam ser solucionadas em até cinco anos.
Atualmente, a precariedade da infraestrutura na região torna o custo da operação elevado, conforme indicam informações do próprio relatório.
Em março do ano passado, a empresa sul coreana Innospace, que tinha contrato com o Comando da Aeronáutica para realizar lançamentos em Alcântara, optou por levar sua carga até o Porto de Santos, no litoral de São Paulo, e depois seguir por rodovias até o Maranhão, devido às más condições dos portos daquele Estado.
As rodovias que ligam outros Estados ao Maranhão e as vias internas do Centro de Lançamento também são alvo de queixas da Aeronáutica, que pediu reformas em quatro estradas federais nas proximidades e o recapeamento do caminho que liga a pista de pouso à área operacional da base de Alcântara.
A dificuldade de levar cargas e insumos ao local também dificulta o fornecimento de gases necessários para o lançamento de foguetes.
Somente White Martins consegue fornecer os mil metros cúbicos de nitrogênio e hélio que a operação exige.
A falta de concorrentes elevou o preço dos produtos e causou o esgotamento de reservas da empresa durante o lançamento da Innospace.
Esse é um dos motivos pelos quais os militares pleiteiam a constituição de um regime tributário especial para Alcântara, que segundo eles, atrairia atividade industrial para suprir demandas do centro espacial.
Investimentos são tratados como estratégicos para a soberania nacional
Embora o projeto preveja parcerias com empresas estrangeiras, a Aeronáutica o trata como assunto de interesse estratégico do Estado brasileiro.
Ao justificar a importância dos investimentos, a Força associa o desenvolvimento de um complexo industrial aeroespacial à soberania nacional.
“A soberania de um país está intimamente relacionada à sua capacidade tecnológica, ao seu potencial econômico e ao poder de dissuasão de suas Forças Armadas. Nesse contexto, um programa espacial consistente tem um caráter estratégico fundamental, pois fomenta o desenvolvimento tecnológico, alavanca o crescimento econômico com produtos de altíssimo valor agregado, desperta respeito e promove posição de liderança no cenário internacional”.
Uma minuta de decreto presidencial sugerida no documento prevê a criação do Sistema de Satélites de Defesa e Comunicações Estratégicas, gerido por um comitê diretor, que seria responsável pela criação de um um “plano de absorção e transferência de tecnologia”.
O objetivo é importar o conhecimento na construção e no lançamento de foguetes e satélites para a indústria brasileira.
“O plano abordará, entre outros elementos, a coordenação, monitoramento e avaliação dos resultados do plano de absorção e transferência de tecnologia, bem como definirá os aspectos atinentes aos direitos de propriedade intelectual decorrentes do processo de transferência de tecnologia”, diz o texto da minuta.
Alcântara já foi palco de acidente
O Centro de Lançamento de Alcântara foi fundado em 1983 e, sete anos mais tarde, lançou o primeiro foguete, o Sonda 2 XV-53.
A região escolhida levou em conta a proximidade da Linha do Equador e o baixo fluxo de aviões.
Em agosto de 2003, o foguete Veículo Lançador de Satélites (VLS), que iria ao espaço, explodiu devido a uma ignição acidental durante os testes.
O acidente causou a morte de 21 pessoas, entre engenheiros, cientistas e técnicos.
Atualmente, a FAB tem contrato com a Innospace e a C6 Sistemas.
Os acordos, firmados em 2022, preveem 16 lançamentos no período de cinco anos.
A Força Aérea pretende aumentar a frequência de utilização da base a partir de novos acordos com a Alada.
Redação CNPL sobre artigo de Gustavo Côrtes
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