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Mercado de carbono: questões fundiárias e disputas judiciais atrapalham crescimento na Amazônia

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  • 9 de março de 2025

Conforme segmento cresce, novos questionamentos nos tribunais devem surgir, apontam especialistas

Na Ilha de Marajó, no norte do Pará, 1.475 famílias das reservas extrativistas Mapuá e Terra Grande-Pracuúba vivem da exploração de frutos como açaí e andiroba, além da venda de farinha de mandioca.

Nos últimos anos, um produto que pode lhes render um volume de receita muito maior passou a atrair a atenção de investidores brasileiros e estrangeiros: o crédito de carbono.

Nessas comunidades, os créditos já existem e foram vendidos a grandes empresas.

O dinheiro, no entanto, não chegou às mãos dos que têm o direito de viver no local e garantem a preservação da floresta, de acordo com as associações dos moradores das reservas.

Localizada em uma região que está sob pressão de desmatamento, as duas reservas podem produzir crédito do tipo REDD+ e vendê-los no mercado de carbono voluntário. Nesse modelo de projeto de carbono, o crédito corresponde a uma tonelada de Co² que deixou de ser emitida.

Para se ter esse crédito, engenheiros calculam o porcentual médio de desmatamento na região onde está a reserva.

No ano seguinte, voltam ao local e verificam quanto foi devastado. Se os moradores da área conseguiram manter mais mata do que se calculava que seria destruído, convertem essa diferença em créditos de carbono, que podem ser vendidos a empresas interessadas em compensar suas emissões de gases poluentes.

Lideranças das reservas dizem que suas comunidades estão interessadas em desenvolver projetos REDD+, mas antes precisam resolver uma questão na Justiça.

Em 2018, elas descobriram que uma empresa já vinha se beneficiando da venda de créditos de projetos desenvolvidos supostamente em suas terras.

A Ecomapuá seria dona de fazendas que geraram esses créditos, mas que também tem parte de sua área sobreposta às reservas extrativistas.

O problema fundiário na Amazônia é crônico e um dos principais entraves para o desenvolvimento de projetos de carbono na região. Reservas extrativistas, entretanto, são áreas de floresta protegidas por lei e cedidas a populações tradicionais.

Elas não podem ser vendidas e pertencem ao domínio do poder público.

Além das questões fundiárias, outras disputas em torno de projetos de carbono começam a aparecer na Justiça e tendem a aumentar nos próximos anos.

“É um mercado que tem possibilidade de grande crescimento. É normal ter discussões conforme surgem novas normas de negócio”, diz Fernanda Stefanelo, sócia das áreas de ambiental e ESG do escritório Demarest.

No caso das comunidades Mapuá e Terra Grande-Pracuúba, a questão foi parar em Brasília.

Em 2021, as associações dos moradores das reservas ingressaram com uma ação em que pedem que os valores pagos pelos créditos sejam repassados às comunidades e que os créditos que ainda não foram vendidos sejam transferidos a elas.

As lideranças das reservas falaram com a reportagem sob condição de anonimato por temerem retaliações.

De acordo com a petição apresentada pela defesa das comunidades, os moradores das reservas teriam o direito aos créditos não só por deterem o direito de uso das terras que dão origem a eles, mas por serem responsáveis por evitar o desmatamento da área.

Além das empresas desenvolvedoras do projeto – Sustainable Carbon e Ecomapuá –, as comunidades também pedem que as compradoras dos créditos de carbono arquem com danos morais por “se apropriaram do nome e da imagem de toda uma coletividade, utilizando ilicitamente, para fins econômicos, todo o patrimônio cultural que envolve a representação social da população extrativista tradicional”.

Entre os que adquiriram os créditos estão o banco Santander, a companhia aérea Air France e a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), entre outros.

Segundo a petição, os adquirentes desses créditos “não tiveram a diligência necessária ao realizar a compra”.

Procurada, a Sustainable Carbon afirmou que o projeto Ecomapuá Amazon REDD “foi desenvolvido em uma propriedade privada com certificação formal de título de propriedade” e “seguindo todas as diretrizes sociais e com a participação das comunidades locais”. A reportagem não obteve retorno da Ecomapuá.

A Air France informou ter apoiado voluntariamente, entre 2019 e 2021, projetos de contribuição ambiental, incluindo alguns no Brasil.

“Os projetos apoiados foram escolhidos a partir de um portfólio de projetos selecionados pela Ecoact com base em critérios rigorosos (…). O projeto não faz mais parte do portfólio de projetos apoiados pela Air France desde 2021. Atualmente, a Air France só contribui para projetos ambientais para atender às suas obrigações pela lei francesa. A Air France presta muita atenção ao respeito pelos direitos das populações locais e leva muito a sério as alegações feitas contra este projeto”.

O Santander informou não ter sido notificado e, por isso, não quis comentar o assunto. A IATA não retornou até a publicação da reportagem.

Desde 2021, a Justiça vinha discutindo de quem era a competência de analisar o caso das reservas extrativistas Mapuá e Terra Grande-Pracuúba.

Em abril, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalmente definiu que isso caberia à Justiça Federal e, na semana passada, o juiz José Aírton de Aguiar Portela, da 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Justiça Federal no Pará, não aceitou a ação civil pública (que serve para proteger direitos coletivos ou direitos individuais homogêneos) por entender que se trataria de uma ação simples ordinária (que protege o direito individual).

O mérito não chegou a ser analisado, e as comunidades das reservas vão recorrer.

O caso é um dentre vários que se tornaram públicos nos últimos anos e que geraram crise de credibilidade do mercado de carbono.

Há também ocorrências de empresas desenvolvedoras de projetos que acabaram os cancelando por falta de realização de consulta prévia, livre e informada com os moradores de terras indígenas, além do grande caso envolvendo a maior certificadora global de créditos, a americana Verra.

Em janeiro do ano passado, o jornal inglês The Guardian, a revista alemã Die Zeit e a organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos SourceMaterial publicaram uma reportagem que mostrava que grande parte dos créditos de carbono reconhecidos pela Verra não compensavam emissões como deveriam.

A matéria se baseava em dois estudos que mostravam que, de 29 projetos aprovados pela Verra, apenas oito apresentavam evidências de redução significativa de desmatamento.

A Defensoria Pública do Pará apura se cinco empresas brasileiras e três estrangeiras usaram terras públicas griladas para lucrar com projetos de crédito de carbono.

Os projetos haviam sido certificados pela Verra.

A Verra também deu sinal verde para projetos da Carbonext, uma das maiores empresas da área no País.

A Carbonext já acabou cancelando acordos com populações indígenas que lhe dariam exclusividade para a venda de carbono capturado em terras ocupadas por esses povos.

A decisão ocorreu após o procurador da República Rafael Martins da Silva levantar dúvidas sobre a realização de consulta prévia aos habitantes dos territórios.

“Não existe um protocolo no Brasil de como fazer um projeto de carbono em terras indígenas. Nós chamamos autoridades públicas para participar das reuniões (com as populações originárias) e, mesmo assim, fomos questionados. Então vimos que o Brasil ainda não está preparado para essa agenda”, disse ao Estadão, em dezembro, Luciano Corrêa da Fonseca, sócio da Carbonext.

A Verra afirma que “transparência e aumento da integridade no mercado de carbono” são seus “princípios fundamentais”.

Diz também ter realizado um trabalho em que ouviu 30 organizações do setor, além de uma pesquisa com 500 entrevistados para listar ações que estão sendo tomadas.

Entre elas, estão uma nova metodologia para medir o nível médio de desmatamento nas regiões dos projetos de carbono, investimento em tecnologia para aumentar a transparência das operações e um programa de auditoria dos projetos.

Escrutínio em projetos de carbono tende a crescer

Para Arthur Ramos, especialista em clima, sustentabilidade e energia, da consultoria Boston Consulting Group (BCG), os problemas que surgiram em projetos de crédito de carbono são positivos, de forma geral, para o setor no longo prazo. Segundo ele, eles aumentam o escrutínio sobre a qualidade do crédito e certificadores.

“Quando o potencial (do mercado de carbono brasileiro) estiver se materializando, nós não podemos ter dúvida como a que temos agora. Vejo como positivo isso aparecer no começo. Temos de corrigir isso”, afirma Ramos.

Especialistas estimam que o mercado de crédito de carbono pode render até US$ 15 bilhões ao Brasil até 2030.

Isso inclui não apenas os créditos gerados por projetos REDD+, mas também aqueles em que uma área já degradada é restaurada com plantas nativas.

A avaliação do consultor é a de que não necessariamente é preciso contar com uma certificadora nacional.

Ele defende, porém, ser preciso garantir a presença da expertise sobre o cenário brasileiro no sistema de verificação.

“Não dá para transplantar de um mercado desenvolvido, é preciso ter experiência na terra, ‘on the ground’, não só em gabinete”, afirma Ramos.

A advogada Fernanda Stefanelo, sócia das áreas de ambiental e ESG do escritório Demarest, afirma que projetos que apresentam problemas fundiários tendem a diminuir, dado que, depois de vários casos como o das reservas Mapuá e Terra Grande-Pracuúba terem sido conhecidos, as empresas compradoras e desenvolvedoras têm aumentado seus processos de diligência.

“É um mercado que tem possibilidade de grande crescimento. É normal ter discussões conforme surgem novas normas de negócio”, explica Fernanda Stefanelo.

Enquanto esses casos fundiários podem começar a cair, devem se tornar mais frequentes questionamentos sobre qualidade do crédito gerado, entrega do crédito e cumprimento de requisitos quando o projeto é desenvolvido em terra indígena.

No caso da entrega do crédito, por exemplo, há casos em que a desenvolvedora vende, hoje, créditos de um projeto tipo REDD+ que ainda está em desenvolvimento.

Na hora de a vendedora entregar o crédito, no entanto, a certificadora percebe que houve desmatamento no local de produção, e os créditos acabam não sendo entregues ao comprador.

Antonio Augusto Reis, advogado e sócio de direito ambiental e mudanças climáticas do escritório Mattos Filho, afirma que a crítica global em torno dos projetos com problemas levou a uma mudança de tendência no mercado.

“Os grandes projetos de conservação, normalmente de áreas muito grandes, mais recentemente sofreram críticas em relação à integridade e metodologias adotadas. Houve certa crise de confiança em relação a esses projetos”, diz.

Por isso, afirma Reis, os projetos de reflorestamento, que consistem na identificação de áreas já degradadas para fins de restauração, têm ganhado mais espaço no mercado.

“São projetos mais caros, mas que podem ocorrer em qualquer região do País. E agora começamos a ver ganhar força os relacionados à agricultura, de recuperação de pastagens. Mas a bola da vez ainda são os créditos de reflorestamento”.

Antropóloga e presidente do Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), Mary Allegretti, porém, pondera ser possível criar projetos do tipo REDD+ que ajudem empresas a reduzirem suas emissões e também comunidades a alavancarem suas rendas.

“Conseguindo estabelecer diretrizes bem claras e parcerias com governos ou empresas privadas bem definidas, o mercado de carbono tem um potencial muito grande para investimento e desenvolvimento de reservas extrativistas”.

Doutora em desenvolvimento sustentável, Allegretti acrescenta que as reservas costumam ser áreas grandes e que políticas públicas não têm conseguido dar conta das necessidades dos territórios – daí, a importância do mercado de carbono para as populações que vivem nelas.

Para que projetos sejam desenvolvidos em áreas onde moram populações vulneráveis, entretanto, ela defende que, antes, haja uma capacitação das comunidades para elas entenderem como esses negócios funcionam.

“Quando a comunidade passa a ter acesso a informação, ela passa a se defender”.

 

Redação CNPL sobre artigo de Luciana Dyniewicz e Beatriz Bulla / OESP