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O juiz Bruno Anderson Santos da Silva, da 3ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal (TRF1), concedeu, na tarde da segunda-feira (4/11), uma liminar que suspende a Resolução 2.382/2024 do Conselho Federal de Medicina (CFM).
A norma obriga médicos a emitirem e armazenarem atestados em uma base de dados do CFM, com a plataforma Atesta CFM, e exige que qualquer outra plataforma digital seja integrada a esse ecossistema.
A regra entraria em vigor na próxima no dia5/11, e os médicos inscritos nos conselhos regionais de medicina teriam até 5 de março de 2025 para se adequarem a ela.
Segundo o magistrado, a Constituição Federal reserva exclusivamente à União a competência para legislar sobre a organização e as condições para o exercício de profissões, incluindo a medicina.
Ele citou que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, destacando que, ao impor obrigações adicionais sobre a prática médica sem a devida autorização legal, o CFM extrapolou sua competência.
Além disso, o CFM não possui competência para estabelecer normas obrigatórias que excluem o uso de documentos físicos e exigem o uso de uma plataforma digital específica, segundo a decisão.
O juiz observou que a própria Lei 14.063/20 já regulamenta o uso de assinaturas eletrônicas para documentos de saúde e prevê que cabe ao Ministério da Saúde e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) definir as regras e critérios para validação de documentos digitais.
A resolução poderia ainda representar “concentração indevida de mercado certificador digital por ato infralegal da autarquia, fragilizar o tratamento de dados sanitários e pessoais de pacientes, bem como a eliminação aparentemente irrefletida dos atestados e receituários médicos físicos, quando se sabe que a realidade de médicos e municípios brasileiros exige uma adaptação razoável e com prazos mais elevados para a completa digitalização da prática médica”, segundo o juiz.
O magistrado também entendeu que havia risco de dano irreparável, e que a urgência se justifica, pois, a resolução representa uma mudança significativa na prática médica. A liminar é válida até o julgamento do mérito da ação.
A liminar foi concedida no âmbito de uma ação anulatória movida pelo Movimento Inovação Digital (MID), associação que reúne empresas do ecossistema digital brasileiro.
“Esperamos que, a partir de agora, se abra um diálogo com o CFM, pois um dos principais problemas da resolução foi a forma unilateral como ela foi feita, contrariando inclusive a autonomia médica”, diz Ariel Uarian, diretor de Políticas Públicas do MID.
Segurança dos dados e monopólio
Na concessão da liminar, o juiz ainda notou que a resolução do CFM não prevê salvaguardas claras quanto ao armazenamento e ao compartilhamento de dados de pacientes, criando um risco para dados pessoais de saúde.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) afirmou na semana passada que “até o presente momento não foram identificadas denúncias, petições de titular e instauração de processo no âmbito da atividade de fiscalização referentes à Resolução”.
“A principal fragilidade é a centralização dos dados e a forma como se dá a autorização para que eles sejam compartilhados”, diz Uarian, do MID.
A obrigatoriedade de uso da plataforma cria, segundo o movimento, uma estrutura monopolista que favorece o CFM, permitindo-lhe explorar economicamente dados sensíveis dos pacientes, violando o princípio da proteção de dados e da privacidade previsto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Assim, a resolução concederia ao CFM um monopólio, e prejudicaria outros fornecedores de tecnologias que poderiam ser utilizadas nesse setor.
Além disso, segundo o MID, o CFM não apresentou estudos suficientes, como Avaliação de Resultado Regulatório (ARR) e Análise de Impacto Regulatório (AIR), que poderiam justificar a necessidade de uma plataforma única e obrigatória para a emissão de atestados.
Resolução
A resolução do Conselho, publicada no início de setembro, definia a plataforma Atesta CFM como único meio para emissão e gestão de atestados, tanto físicos quanto digitais, e os elementos que garantiriam sua segurança, autenticidade e rastreabilidade, como QR codes.
Após o período de adaptação de 180 dias à nova plataforma, médicos ficariam proibidos de utilizar portais ou plataformas não compatíveis com o Atesta CFM para a emissão de atestados.
Os “altíssimos custos” que as emissões de documentos falsos acarretam para governos e para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) são citados como justificativa para as medidas na resolução.
Reação do CFM
A reportagem entrou em contato com o CFM após a decisão liminar da Justiça, mas não obteve resposta até a publicação. O espaço segue aberto.
Horas antes, porém, o presidente da entidade, José Hiran Gallo, lamentou em coletiva de imprensa a posição do Ministério da Saúde sobre o Atesta CFM.
Ele informou que o conselho não foi oficialmente comunicado sobre a decisão da pasta de contestar a Resolução nº 2.382/2024 e também disse levará o tema para discussão junto ao órgão público nas próximas agendas conjuntas.
Durante a coletiva, a equipe do CFM argumentou que a plataforma trará um ganho social, uma vez que deve reduzir a emissão de atestados falsos no território nacional.
Sobre questionamentos por parte de outras entidades privadas, o CFM afirmou que há falta de entendimento sobre o processo de validação dos documentos e da criação da plataforma, que, para o conselho, está dentro dos limites legais da autarquia.
Em relação à segurança de dados, os representantes do conselho foram vagos, limitando-se a dizer que o sigilo médico-paciente e o respeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é um dos pilares da criação do instrumento.
Entretanto, não chegaram a dizer quais as ferramentas utilizadas para proteger as informações pessoais armazenadas no banco de dados de eventuais vazamentos ou usos indevidos.
O conselho também informou que teve uma conversa preliminar com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) para propor uma parceria na validação de documentos digitais.
Redação CNPL sobre artigo de Carolina Unzelte e Jéssica Gotlib
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