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A aprovação de uma reforma judicial que institui o voto popular para cargos do Judiciário no México acelera um processo de erosão democrática no país e pode ser “armadilha” na qual o Brasil e outros países não deveriam cair, diz o pesquisador Julio Ríos-Figueroa, professor associado da Faculdade de Direito do Instituto Tecnológico Autônomo do México.
“O perigo para outros países é que a reforma judicial está vestida com roupas democráticas. Essa ideia de ‘vamos escolher os juízes’ não parece ruim para muita gente. Parece bom, por que não? Vamos aprofundar a democracia elegendo juízes. (Mas) essa é uma armadilha na qual não se deve cair”, conta Figueroa em entrevista concedida à imprensa dois dias após o julgamento da Suprema Corte do México que liberou a reforma judicial.
Para o pesquisador, é crucial defender que o Judiciário cumpra uma função diferente da dos poderes eleitos diretamente.
“É preciso profissionalização, conhecimento específico das leis, maior duração em seus cargos, ter um horizonte de tempo maior do que os políticos eleitos. É necessário ter cuidado com as origens distintas dos Três poderes do Estado para que cada uma possa cumprir seus diferentes papéis”.
Ao mesmo tempo, diz Figueroa, o Judiciário também deve se aproximar ao máximo da sociedade.
“Essa é outra lição do caso do México. Deve comunicar melhor suas sentenças, atender direitos, que é uma das coisas que mais importam aos cidadãos. Deve melhorar o acesso à Justiça e a eficácia na distribuição de justiça”, acrescenta. Caso contrário, diz, o cenário é de risco,
Casos distintos
A situação no México abre uma comparação inevitável com a situação do Brasil e o histórico de embates travados entre o governo de Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal.
No caso mexicano, diz Figueroa, houve um ponto de inflexão, que foi a mudança na presidência da Suprema Corte e um ministro presidente, Arturo Zaldívar, claramente favorável a Obrador ao ponto que, diz o pesquisador, “a deferência se tornou subordinação”.
Zaldívar chegou a renunciar à Suprema Corte para entrar na campanha da atual presidente mexicana, Claudia Sheinbaum.
“No caso do Brasil, é muito interessante ver o papel que o Supremo Tribunal Federal teve em estabelecer certos limites, principalmente no governo Bolsonaro”, afirma.
“Mas é preciso jogar bem as cartas da prudência, como fizeram com suas cartas de intervenção quando necessário, ou pode acontecer o mesmo que aconteceu no México, com uma resposta agressiva e violenta dos poderes eleitos, dirigida inclusive a eliminar a independência judicial”, diz o pesquisador.
O Brasil não chegou ao mesmo desfecho mexicano, afirma, porque no México se combinaram duas circunstâncias não vistas no caso brasileiro.
Uma delas, a existência de um contexto no qual havia incentivos para que o poder legislativo apoiasse algumas decisões do poder judiciário.
“Uma é a diferença que faz para um Judiciário que decide num contexto de fragmentação política, governos divididos, de um poder legislativo onde há muitos partidos políticos representados e não um partido majoritário que coincide com o do presidente. E a situação oposta, onde há um presidente cujo partido político tem clara maioria, ou pior, supermaioria no Poder Legislativo”, diz Figueroa, para quem este seria o caso mexicano.
“No Brasil, houve fragmentação do Poder Legislativo, mesmo com um presidente como o anterior. E isso ajuda porque há possibilidade de coalizão entre o Judiciário e o Legislativo, uma coalizão informal. E permite aos juízes terem mais liberdade”, explica.
A existência de uma opinião pública mais favorável ao Supremo no Brasil, diz, é outra diferença marcada entre os casos mexicano e brasileiro.
“Outra força externa ou política que pode apoiar os juízes diante de ataques considerados indevidos ou indesejados pelo Poder Executivo ou Legislativo. No México, nosso Judiciário nunca conseguiu apoio majoritário superior a 40%”, conta ele, ressaltando que o poder que usufrui a Corte mexicana é inferior ao do Supremo brasileiro.
Alvo do ex-presidente
A reforma judicial tornou-se realidade no México em meio a um contexto de embate entre a Suprema Corte e o ex-presidente Andrés Manuel López Obrador.
É a conclusão de um processo no qual, segundo Figueroa, a Suprema Corte mexicana, e o Judiciário como um todo, viraram alvo de Obrador.
“Desde o começo do governo de López Obrador, em 2018, começaram a existir alguns sinais, principalmente da maioria legislativa do partido do ex-presidente, de iniciativas para reformar o Poder Judiciário”, conta Figueroa.
Só nos primeiros seis meses de mandato de López Obrador, diz o cientista político, uma ONG contabilizou 130 iniciativas de mudança constitucional que afetavam diretamente a Suprema Corte de Justiça e o Poder Judiciário.
Enquanto isso, nas transmissões diárias chamadas de “mañaneras” [matutinas], o ex-presidente expunha nome e sobrenome de juízes que tinham decidido algo que o desagradava.
“A briga chegou a um ponto de não retorno quando houve uma mudança na presidência da Corte, o presidente López Obrador tentou passar uma reforma constitucional muito importante que significaria intervir no órgão eleitoral do país, e ela não foi aprovada”, conta Figueroa.
“Ele fez o mesmo com um decreto que alterava a Guarda Nacional, que fazia parte da Secretaria de Segurança Pública e a transferia para a Secretaria de Defesa Nacional, ou seja, para militarizar a segurança pública. A Corte também declarou esse decreto executivo inconstitucional e aí começou a guerra”, explica o pesquisador.
A proposta de que os juízes da Suprema Corte passem a ser escolhidos por voto direto, popular, foi feita por Obrador em fevereiro, e fez parte da campanha da atual presidente, Clauda Sheinbaum, do mesmo partido, Morena.
“Quando ela ganhou, o Morena ganhou os dois terços que precisavam para alterar a Constituição. Com algumas jogadas, mas conseguiram, e então a reforma se tornou realidade, antes mesmo da posse da atual presidente. O último obstáculo era que a Suprema Corte revisasse a constitucionalidade dessa reforma, e esse obstáculo também foi contornado”, explica Figueroa.
Na sessão de votação, a Suprema Corte não chegou aos oito de onze votos necessários para declarar a inconstitucionalidade da reforma proposta por Obrador.
Há algumas ações em andamento para reverter a situação, mas, para Figueroa, o avanço da reforma é praticamente fato consumado.
E o que vem a seguir, diz, é um ponto de interrogação.
“A reforma é ruim, foi malfeita e feita muito rápido”, diz.
“A única coisa que posso dizer com certeza é que os juízes que chegarem serão juízes que contam com a aprovação do partido que tem o controle do poder legislativo e executivo”.
Também é preocupante, afirma, porque provavelmente entrarão pessoas com muito menos conhecimento do que as estão agora.
“Claramente há uma concentração de poder no Executivo, uma militarização da segurança pública e outras áreas de segurança, e uma subordinação do Poder Judiciário ao Poder Executivo e Legislativo e ao partido majoritário. O México entra num período de aprofundamento da erosão democrática”.
Redação CNPL sobre artigo traduzido e editado por Elisa Martins
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