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Diferentes modelos de contratação são vistos atualmente no mercado de trabalho / Reprodução
O mercado de trabalho brasileiro cada vez mais conta com um grande número de profissionais contratados sem vínculo empregatício regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entanto, para se manter dentro da lei, as empresas contratantes precisam seguir certas regras.
A Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017) trouxe mudanças significativas nesse cenário, incluindo regras mais claras para a contratação de autônomos.
Um dos pontos fundamentais da legislação é que a prestação de serviços sem vínculo empregatício passou a ser expressamente permitida, mesmo que o profissional trabalhe de forma contínua.
Por outro lado, o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) define os requisitos para caracterização da relação de emprego: pessoalidade (o profissional contratado é quem executa o serviço, ou seja, este não pode ser feito por terceiros), habitualidade ou não-eventualidade (ir com determinada frequência à empresa ou ter contrato por prazo indeterminado), subordinação (obedecer a ordens e justificar faltas) e onerosidade (trabalho deve ser remunerado).
Para entender melhor em que contexto um profissional pode ser contratado como pessoa jurídica, a reportagem conversou com a coordenadora do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Clarisse Oliveira.
“Caso a pessoa não precise ir todos os dias, tenha flexibilidade de horário, possa trabalhar para outras pessoas e fazer seu próprio horário, aí estamos diante um autônomo, que pode ter uma empresa oferecer serviços para outra empresa”, explicou.
Ela também ressaltou que “se essa pessoa for MEI (microempreeendedor individual) ou mesmo possuir outro tipo de empresa, o pagamento será feito através de nota fiscal”.
Casos em que pode haver processo
Segundo a especialista, há possibilidade de, após a ruptura com a empresa em que o indivíduo trabalhava como pessoa jurídica, ele entre com uma ação para pedir seus direitos.
Isso pode ser feito caso o profissional trabalhe com as condições explicadas no artigo 3º da CLT.
“O que acontece é que muitas empresas ‘optam’ pela contratação de um funcionário em outro modelo (fora da CLT), mas não há previsão na legislação trabalhista para isso. Significa que se o empregado quiser ingressar na Justiça para pedir o reconhecimento do vínculo, ele poderá dentro do prazo de dois anos após a ruptura do contrato de trabalho”.
Clarisse ainda explicou que ele pode ter direito à multa relativa a 40% do FGTS estipulado em caso de demissão, entre outros direitos.
No entanto, não há uma indenização somente pela falta de vínculo, mas sim um processo que visa a conceder os direitos ao trabalhador mesmo após o fim da relação.
A profissional, no entanto ressaltou que cada caso deve ser analisado separadamente e que não há possibilidade de fazer qualquer tipo de generalização.
Precarização do trabalho e impactos psicológicos
Heloísa Helena Ferraz, do Departamento de Psicologia Social e Ciências Humanas da Uerj, também comentou a questão.
Ela, que é especialista em Recursos Humanos, apontou que os novos modelos de contratação “configuram uma precarização das relações de trabalho”.
Segundo Heloísa, isso está ferindo os direitos dos funcionários, como férias, por exemplo.
Ela também citou que “hoje ter uma carteira de trabalho é um privilégio”. Segundo Heloísa, se sentir descartável pela falta de estabilidade que o regime CLT oferece também gera impactos psicológicos.
“Essa tendência do trabalho traz consequências sérias para a saúde mental deste trabalhador. Há um estado permanente de estresse que cada vez pode ocasionar doenças psicossomáticas. Hoje a Síndrome de Burnout já faz parte né do catálogo de doenças que são originadas no trabalho”, explicou.
Ainda segundo a especialista, há uma estratégia utilizada por algumas empresas para evitar pagar os benefícios e questões tributárias de uma contratação CLT e evitar possíveis processos: a terceirização.
“Muitas empresas buscam outras empresas para contratar serviços de funcionários. Esses trabalhadores são alocados na empresa contratante, mas esta não tem responsabilidade sobre eles”.
Para não pagar estes impostos e qualquer benefício, há a possibilidade da contratação de um autônomo, que teria algumas obrigações a menos, conforme explicado pela advogada Clarisse Oliveira.
Fraude e fiscalização
Em resposta à reportagem, o secretário municipal de Trabalho e Renda, Manoel Vieira, comentou a questão.
Para ele, “as relações de trabalho vêm se modificando, e, nos últimos anos, novas leis têm surgido. O MEI é um avanço nas relações de trabalho, na medida em que favorece o empreendedorismo para atividades mais populares”.
Ele completa ressaltando que “desvirtuar a aplicação do MEI é considerada fraude trabalhistas. Nós, da Secretaria Municipal de Trabalho e Renda, atuamos para que os direitos do trabalhador, garantidos por lei, sejam sempre cumpridos”, frisa.
Em nota, o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro também se posicionou.
Na mesma linha do secretário, o órgão apontou para a fiscalização.
“O Ministério Público do Trabalho considera ser uma fraude à relação de emprego, com prejuízo aos direitos dos trabalhadores. Nos casos em que estão presentes os elementos da relação de emprego (pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação), a empresa deve proceder ao registro do empregado na CTPS, configurando fraude a contratação de trabalhador subordinado como pessoa jurídica, inclusive MEI”.
Há uma infinidade de processos e investigações sobre a prática ilegal da pejotização, sendo o combate a esse tipo de fraude a meta prioritária da Coordenadoria de Combate às Fraudes Trabalhista (Conafret/MPT).
O MPT alerta também para o fato de que esse tipo de fraude prejudica a saúde e segurança do trabalhador, que se vê alijado de direitos básicos como licença-maternidade, auxílio-doença, intervalos na jornada de trabalho e normas relativas à segurança no ambiente de trabalho etc..”.
Funcionários buscam se adaptar ao modelo de contratação
O designer Rubens Bonon, morador de Niterói, contou que vê poucas vagas no regime CLT em sua área e que essa situação gera um certo incômodo.
“Acho que é muito comum no design e na comunicação você ter vagas informais, muitas delas são para social media. Gera um incômodo porque você nunca sabe se o contratante vai ter condições de te pagar devidamente. Acredito que crie um pouco de insegurança. Gostaria que houvesse mais vagas CLT bem pagas dentro da área”, explicou o profissional de 27 anos.
Perguntado sobre o que faria caso recebesse duas ofertas, uma no regime CLT e outra PJ levemente superior, ele respondeu que “o CLT seria a opção mais segura”.
No entanto, Rubens também ressaltou que, caso não houvesse horários fixos e certas obrigações, o trabalho no modelo PJ é muito atraente para a sua área.
Redação CNPL sobre artigo de Saulo Júnior / O Dia
Rubens Bonon trabalha com design e gostaria de mais ofertas de vagas no regime CLTArquivo Pessoal
Já Vinícius Carvalho trabalha no financeiro de uma empresa e conta que escolheu trabalhar como PJ para que pudesse receber um salário maior.
Ele, que tem 26 anos e é morador da Freguesia, Zona Oeste do Rio, ressalta que, se recebesse duas propostas com regimes diferentes e remunerações semelhantes, escolheria a PJ pela menor burocratização.
“Creio que essa escolha tem que fazer sentido para a pessoa, quem tem espírito empreender provavelmente buscará o lado PJ”, explicou.
Vinícius Carvalho trabalha como pessoa jurídica por opção | Arquivo Pessoal
Impactos financeiros
Juliane Furno, professora da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj, também foi convidada para comentar os modelos de contratação. Ela citou a Reforma Trabalhista de 2017 como causa para o cenário atual.
“Isso ocorre porque a reforma trabalhista de 2017 possibilitou essa realidade, que trabalhadores sem vínculo possam prestar serviço apenas a uma empresa”. Ainda segundo ela, esse novo regime possui um grande impacto na previdência.
“O principal impacto é na previdência social. O MEI e a PJ estão enquadrados no regime tributário do Simples Nacional, eles recolhem uma taxa fixa. Além de ela ser muito mais baixa, a previdência social deixa de recolher a parte que cabe ao empregador”, explicou.
Segundo ela, os empregos que seguem as normas CLT estão duramente ameaçados. Ela acredita que uma nova reforma seria necessária.
“O trabalho celetista está fortemente ameaçado, principalmente nas empresas menores, onde de fato a forma de tributação sobre o trabalho pesa mais. Será necessária uma nova reforma trabalhista, dessa vez corrigindo as inadequações da primeira, garantindo maior proteção e segurança ao trabalhador”, argumentou.
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