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Profissionais liberais, que engrossaram camada dos novos ricos, enfrentam dificuldades O setor que passava até pouco tempo incólume pelas agruras da crise econômica mundial deve começar a sofrer maiores impactos. O mercado de luxo brasileiro, que se fortaleceu no país nos últimos anos devido ao aumento da renda e do crédito, vai precisar inovar e fazer ajustes para não sofrer perdas significativas, confirmam especialistas que acompanham o mercado. Como a confiança do consumidor anda baixa, inclusive entre os da classe mais alta, o supérfluo deve ser cortado da lista de compras como um reflexo de temores, como do desemprego. Por falar em trabalho, profissionais liberais que oferecem serviços específicos para os mais abastados também já estariam sentido o baque.
Como o mercado de luxo lida com um público de alto poder aquisitivo, que normalmente não é o primeiro atingido por crises econômicas, ele não é afetado tão rapidamente por momentos complicados, ou o é, em menor escala, lembra Renata Galhanone, especialista em mercado de luxo, com doutorado pela USP. No Brasil, contudo, um público formado principalmente com o movimento de aumento da renda e do crédito dos últimos anos já sente esses efeitos e, com a baixa confiança na economia, começa a cortar gastos. E o mercado de luxo, que começou a se expandir no país justamente atraído por essa nova demanda de consumidores ávidos por novidades, pode aí sofrer cortes.
Para Claudio Goldberg, professor dos MBAs da FGV, com certeza, os profissionais liberais, que engrossaram muito a classe de novos ricos e aumentaram demais o consumo do mercado de luxo, mais do que outros clientes, estão sentindo drasticamente a queda da receita, porque estão pressionados, com menos clientes.
Presidente da Confederação Nacional das Profissões Liberais alerta para situação dos trabalhadores de maior qualificação Presidente da Confederação Nacional das Profissões Liberais alerta para situação dos trabalhadores de maior qualificação
Carlos Alberto Schmitt de Azevedo, presidente da Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), que representa cerca de 15 milhões de trabalhadores, argumenta que o cenário atual, de baixo crescimento, inflação alta e ameaças ao mercado de trabalho, é extremamente perverso para os profissionais liberais, porque afeta principalmente o setor de serviços, que aglutina o maior contingente entre as categorias que compõem as profissões liberais.
“É um setor extremamente sensível e que nos momentos de crise econômica é o primeiro a ser impactado nos cortes de orçamentos das famílias na busca por uma economia doméstica mais equilibrada. Some-se a isso também, o aumento de impostos”, diz Azevedo.
Azevedo alerta que é fato que a somatória de todas as conjunturas atuais e futuras indicam queda na geração de empregos e na perda de postos de trabalho de profissionais mais qualificados, já que o patronato, por vezes, prefere demitir o trabalhador muito qualificado para contatar outro mais barato.
Alexandre Espírito Santo, economista da Simplific Gestão de Patrimônio e professor do Ibmec-RJ, ajuda a explicar o fortalecimento do mercado em anos anteriores. Ele ressalta o aumento do crédito aos brasileiros, com a possibilidade, por exemplo, de comprar uma joia com pagamento em algumas parcelas. Com o aumento da produtividade, sobretudo devido à inserção de produtos chineses, os preços também caíram, mesmo os do segmento de luxo. “Tudo isso alimentou esse processo de segurar o mercado de luxo em alta.”
De uns anos para cá, contudo, acrescenta Alexandre, o país começou a apresentar um processo de esgotamento do crescimento de renda verificado nos 10 anos. O desempenho da economia anda fraco, com a possibilidade mesmo do PIB ficar estável ou negativo neste ano. “Aí, as pessoas começam a cortar supérfluo, e o mercado de luxo está associado a esse supérfluo. Eu não posso cortar o colégio do meu filho, mas eu posso trocar um artigo de luxo por um bem que se assemelha e, aí sim, você vai afetar um mercado que até então não estava sendo afetado, e que não sei se se preparou para este momento”, destaca Alexandre.
Padaria de luxo em Copacabana fechou as portas no início de fevereiroPadaria de luxo em Copacabana fechou as portas no início de fevereiro
[caption id="attachment_1001" align="alignleft" width=""]Padaria de luxo em Copacabana fechou as portas no início de fevereiro[/caption]No Rio de Janeiro, no início do mês, a menos de uma semana de completar três anos de funcionamento, a Boulangerie Guerin, padaria e confeitaria de luxo inspirada nos tradicionais estabelecimentos franceses, anunciou que fecharia as portas. A causa apontada foi “o reajuste das despesas e a conjuntura econômica”. Nesta segunda-feira (13), contudo, reabriu.
Outro caso, também no Rio de Janeiro, é da Lidador, mais tradicional rede de delicatessens. Em junho do ano passado, fechou cinco de suas 13 lojas. Agora, só tem três lojas, a matriz, no Centro, e as outras na Tijuca e em Copacabana.
Por mais que esses dois casos possam estar atrelados a questões independentes da conjuntura, como problemas de gestão do negócio, conforme destacam especialistas, eles ajudam a ilustrar esse cenário de maiores dificuldades. De acordo com números da pesquisadora Renata Galhanone, já no ano passado, o setor esteve mais ou menos estável em relação ao anterior. Neste ano, com base em número preliminares, deve haver um crescimento abaixo da média global do mercado de luxo. Consultorias projetam que o mercado global cresça em torno de 5%, e o Brasil entre 3% e 4%. Até 2013, o mercado de luxo crescia em torno de 7% neste país, destaca Renata.
“O mercado de luxo se favorece muito dos momentos de crescimento da economia e da classe média, que aumentou em seu tamanho. Mas isso vai parar, e, na hora que para, o setor tem que ficar com o cliente que já tinha, só que esse cliente, acostumado a consumir, pode ficar temeroso também de perder sua renda, e na dúvida, sua confiança na economia diminui”, salienta Alexandre.
Claudio Goldberg, professor dos MBAs da FGV, fortalece o debate, salientando também que, em termos de mercado, o mercado de luxo está no topo da pirâmide, e seria o último a ser alcançado. Mas, como todos os consumidores de luxo, para ganhar dinheiro, precisam de outros agentes econômicos, e esses agentes econômicos estão contaminados pelo ambiente complicado da economia brasileira, de possível crescimento zero e inflação alta, as pessoas estão fazendo cortes, e o mercado de luxo começa também a ser afetado.
Vai haver uma diminuição no consumo, sim, então. E ainda com um agravante, aponta Goldberg. Ao contrário de outros segmentos, marcas de luxo não fazem promoções ou campanhas, que poderiam prejudicar a sua imagem. Conforme lembra Renata, em termos de comunicação, às vezes ela até existe certa medida, mas não necessariamente, e a dinâmica pode ser muito baseada também no boca a boca. Outros complicadores deste momento são a restrição recente ao crédito e ainda o aumento dos juros.
“A situação do mercado de luxo já está precificada, porque as marcas estão com campo reduzido para manobras, não podem fazer muita coisa. Elas não vão abrir os seus números, mas a gente sabe que elas estão tendo dificuldades, mesmo o mercado de moda e de joias. De uma forma geral, o mercado de luxo vai sofrer as consequências dessa crise sistêm
ica. Os agentes econômicos estão todos conectados, não dá para ser uma ilha, e, uma hora, a crise chega”, analisa Goldberg.
Sobre a questão da confiança do consumidor, como envolve questões políticas também, Goldberg lembra que não se trata de uma decisão racional, mas de um humor, de um estado de espírito que provoca determinados temores, receios. E o humor atual, completa, seria de “uma incerteza muito grande”.
“O mercado de luxo não vai entrar exatamente em crise, vai ter uma diminuição do consumo, que vai afetar muito o seu dia a dia. A margem de manobra dele é muito restrita, e este ano já está precificado, não tem muito o que fazer. Tem que fazer ajuste e buscar inovação, aproveitar espaço e oportunidades, como a alta do dólar e a imigração de consumo do exterior para o mercado interno. Vai ter que trabalhar melhor”, aponta Goldberg.
Renata, por sua vez, acredita que algumas marcas podem segurar seus planos de expansão, mas que este ano não deve trazer grandes mudanças ao setor, a ponto de afetar a presença de marcas no país, a não ser que o mau momento fique mais prolongado, para além de 2015 e 2016. “Em um primeiro momento, não deve afetar muito a presença das marcas no Brasil, de elas se retirarem. Com uma ou outra, pode ser que aconteça, mas as que já se estabeleceram aqui, a tendência, por enquanto, é se manter, porque são investimentos elevados.”
O mercado de carros e de motos de luxo, contudo, ainda têm algum potencial para crescer, como indica Renata. Em 2014, enquanto houve retração de vendas de carros mais normais, as vendas dos de luxo aumentaram em 18%, e as motos das motos de luxo em quase 11%.
Alta do dólar pode ser salvação do mercado de luxo brasileiro
Os brasileiros que costumam viajar para fazer compras, que estão entre os turistas que mais consomem em suas viagens do mundo todo, podem migrar sua demanda por artigos de luxo para cá, incentivados pela recente alta recorde do dólar. O brasileiro perde poder de compra, e passa a evitar o exterior. Nas casas de dólar, nesta sexta-feira (13), o dólar turismo já era vendido por mais de R$ 3.
De acordo com a análise de Claudio Goldberg, este fator, não previsto pelos economistas, comercialmente falando, é bastante significativo, considerando que a classe alta que consome o luxo estava consumindo parte dele em terras estrangeiras, porque era mais fácil e melhor, e que agora, certamente, haverá deve diminuir significativamente esse movimento, porque não vai mais compensar.
“É uma boa oportunidade e possibilidade de canalizar esse consumo interno. Então, isso pode, surpreendentemente, trazer um fôlego extra, não previsto, para o mercado de luxo. Seria uma demanda que não existe hoje no Brasil, por conta do consumo lá fora. Com a alta do dólar, que já está em um para três, de repente fica mais acessível comprar aqui, porque você ainda tem a possibilidade do parcelamento, e ainda não tem fiscalização da alfândega e outras questões”, conclui.
Fonte: Jornal do Brasil
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