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Crédito barato, produtividade, tecnologia e moeda forte: como EUA deixaram Brasil e UE para trás

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  • 22 de novembro de 2024

Números mostram que, proporcionalmente, PIB brasileiro acelerou neste século, mas distância entre Brasil e Estados Unidos só aumentou; veja gráficos

Enquanto muitos apontavam para uma potencial recessão no país após a pandemia forçar a inflação e os juros norte-americanos para cima, o PIB dos EUA cresceu 5,8% em 2021, 1,9% em 2022 e 2,5% em 2023 

Ao longo deste século, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro — a soma de todas as riquezas produzidas no Brasil — cresceu de US$ 655 bilhões até US$ 2,173 trilhões em 2023, de acordo com dados do Banco Mundial.

A economia brasileira registra um crescimento médio anual de 2,32% no período, taxa que supera a de economias mais desenvolvidas, como a da Zona do Euro (1,32%) e do país mais rico do mundo, os Estados Unidos (2,13%).

“Se pegar países saudáveis — que não estão em guerra civil e que não tem problemas estruturais —, a curva de crescimento da economia é como a do ser humano. Economias pequenas crescem mais rapidamente, enquanto as maiores, em menor ritmo. À medida que a curva vai subindo, ela se aproxima do cume”, explica Robson Gonçalves, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Porém, o ritmo proporcional maior não foi suficiente para diminuir a distância entre o Brasil e a maior economia do mundo.

O que antes era uma diferença de US$ 9,59 trilhões entre o PIB dos dois países, em 2023 a distância se ampliou para US$ 25,187 trilhões.

Nem mesmo a Zona do Euro tem conseguido acompanhar o ritmo norte-americano.

Os países europeus foram perdendo fôlego de modo a crescer a distância para os EUA. No início dos anos 2000, os EUA superavam os países que adotam o euro com menos de US$ 4 trilhões.

O afastamento entre ambos voltou a crescer de 2011 para 2012, quando a economia europeia caiu de US$ 13,7 trilhões para US$ 12,7 trilhões, e a norte-americana subiu de US$ 15,6 trilhões para US$ 16,2 trilhões.

Hoje a distância da Zona do Euro para os EUA é de quase US$ 12 trilhões.

Enquanto a locomotiva norte-americana seguiu trabalhando intensamente, a europeia viu um de seus principais motores começar a falhar: a Alemanha.

No início do século, a economia germânica representava 29,8% da riqueza da Zona do Euro.

No pior momento, em 2009, a fatia alemã era de 26,23%. Nos últimos anos fica em torno de 28%.

De 2000 até 2011, quando as economias europeias e a norte-americana tinham uma comparação mais próxima, o PIB da Alemanha cresceu US$ 1,802 trilhão, chegando a US$ 3,749 trilhões. Daquele ano em diante o crescimento foi de US$ 707 bilhões, a US$ 4,456 trilhões.

“A Alemanha tem sido danificada, muito vinculada à Rússia pela energia, entra em crise e a governança recente tem sido muito ruim. Cometeu erros estratégicos de política econômica ao fechar usinas nucleares, e agora vem enfrentando uma crise no seu modelo”, observa Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central (BC) para Assuntos Internacionais, professor-adjunto na Universidade de Georgetown e colunista do CNN Money.

Distribuição de renda

Além da economia em si, o PIB per capita do Brasil também cresceu mais que o da Zona do Euro e dos EUA desde 2000.

O Banco Mundial aponta que a distribuição de renda no país subiu de US$ 3.726,80 para US$ 10.043,60 até 2023, alta de 169%. Nos outros dois, a taxa foi de 121% e 124%, respectivamente.

Ainda assim, o PIB per capita brasileiro segue muito abaixo dos países que utilizam o euro (US$ 44.368,60) e do norte-americano (US$ 81.695,20).

Olhando para os números absolutos, nota-se a expressividade da economia norte-americana, que segue consolidada como a maior do mundo.

Logo atrás, a economia chinesa, que é vista como uma párea para os EUA, começa a mostrar sinais de exaustão e desaceleração de seu crescimento em meio à crise imobiliária e de demanda profunda no país.

Por outro lado, os norte-americanos seguem superando as previsões pessimistas e mostrando a resiliência da economia.

Enquanto algumas previsões de mercado apontavam para uma potencial recessão no país após a pandemia forçar a inflação e os juros norte-americanos para cima, o PIB dos EUA cresceu 5,8% em 2021, 1,9% em 2022 e 2,5% em 2023.

O que permitiu os EUA se consolidarem como a maior economia do mundo, segundo Robson Gonçalves, é uma vantagem chamada “gravitacional”.

“Quanto maior a economia, maior a influência nos países ao redor e no mundo”, explica o professor da FGV.

Entre os fatores que fazem a gravidade da economia norte-americana pesar, economistas apontam seu crédito e mercado de trabalho flexíveis, produtividade e a posição do dólar na economia mundial.

Quando olham para a economia europeia, os economistas destacam como nos mesmos pontos onde a economia dos EUA brilha, a europeia carece de dinamismo.

Economia flexível

O patamar elevado dos juros do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) no pós-pandemia são uma exceção na história recente do país.

Entre 2000 e 2023, foram raros os momentos em que as taxas norte-americanas passaram de 2%.

Com os juros mais baixos, os EUA conseguem consolidar um sistema financeiro mais flexível, o que impulsiona o consumo no país.

Mas não só de crédito barato se faz o incentivo, também é necessário o fator renda.

E é olhando para o mercado de trabalho do país onde destaca-se uma diferença importante que faz a economia dos EUA decolar num ritmo que outras não acompanham.

“Apesar dos pesares, os Estados Unidos lidam com a questão da imigração melhor que Europa. O fluxo de países latino-americanos vem de muitas décadas, e a maioria deles são imigrantes legais e aptos para trabalhar. Esse movimento firmou o mercado de trabalho pujante do país, que tem de sobra desde grandes cientistas até trabalhadores braçais”, afirma Gonçalves.

Esses dois fatores geram a tão falada flexibilidade da economia norte-americana.

“Juntos, o mercado de crédito e de trabalho muito flexível têm feito dos Estados Unidos o grande consumidor mundial”, pontua Volpon.

“Na Europa, a economia é super regulada, o que leva ela a pagar o preço de um crescimento mais lento”, conclui o ex-BC.

Se olharmos para os mercados financeiros desses países, nota-se onde é pago esse preço.

De 2005 a 2024, o Ibovespa passou dos 25 mil pontos para rondar em torno de 128 mil, alta de 398% no período.

Durante o período, a alta vista no índice S&P 500, dos EUA, de 385%, apesar de ligeiramente menor mostra como o mercado norte-americano é atrativo. Já o índice europeu Stoxx 600 subiu 98% no período.

Produtividade, a chave para o desenvolvimento

Entre os principais fatores levantados para o desenvolvimento dos países em geral, os economistas ouvidos pela CNN apontam para a produtividade.

O conceito se refere à capacidade de se gerar frutos com uma determinada quantidade de recursos, ou seja, o quanto eles rendeAds powered by

A comparação do nível de produtividade é feita basicamente olhando para o quanto cada um, usando do mesmo recurso, pode fazer mais.

Entre esses recursos se encaixam mão de obra, capital e infraestrutura, por exemplo.

Um dos principais teóricos sobre o assunto, o Nobel de Economia Paul Krugman afirma que “a produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo. A capacidade de um país de melhorar seu padrão de vida ao longo do tempo depende quase inteiramente da sua capacidade de aumentar o produto por trabalhador”.

Especialista no assunto, José Ronaldo de Castro Souza Jr., professor de economia no Ibmec e economista-chefe da Leme Consultores, aponta que um passo primordial para desenvolver a produtividade é olhar para a educação, o que permite maior flexibilidade no mercado de trabalho.

Esse é um ponto que já confere na economia norte-americana.

“Para desenvolver-se, o país tem que partir para políticas que são mais estruturantes em termos de capital humano. Buscar uma boa regulação econômica, garantia de contratos”, elenca José Ronaldo.

“Mas também olhar para investimentos estruturais em infraestrutura, que são essenciais. São necessários gastos com inovação, ter uma otimização, melhorar a eficiência dessas políticas públicas focando em áreas que possamos crescer mais”, complementa.

Além de tornar o mercado mais flexível, a capacitação agrega valor à mão de obra; e com a criação de oportunidades para esse contingente, a cadeia produtiva do país também é valorizada. E este é um ponto no qual os EUA se destacam.

Força da tecnologia

“É aquela velha história, os Estados Unidos tem uma área de tecnologia de destaque. Desde os anos 90, com a massificação da internet, essas inovações têm turbinado seu crescimento econômico”, diz Volpon.

O ex-BC aponta para o Vale do Silício ao falar do prestígio do país no setor. A região da Califórnia é conhecida por ser o berço e abrigar as sedes das principais empresas de tecnologia do mundo.

Além disso, Volpon reforça a centralidade dos EUA no desenvolvimento de inovações disruptivas, como a inteligência artificial (IA).

Um estudo da Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes) aponta que o mercado mundial de tecnologia da informação movimentou em 2023 US$ 3,166 trilhões.

O único país que sozinho tem um setor de tecnologia trilionário é os EUA: US$ 1,285 trilhão, equivalente a fatia de 40,85% do total.

A Alemanha e a França ocupam, respectivamente, a 5ª e 6ª posição do ranking, com valores de US$ 141 bilhões e US$ 98 bilhões. Já o Brasil aparece na 10ª posição, sendo avaliado em US$ 49,9 bilhões.

“Fazendo o comparativo, a Europa sofre por não ter um setor de tecnologia relevante, é uma economia mais ‘antiga’, muito baseada no parque industrial alemão e na riqueza da França com bens de consumo de luxo, mas nada com força da tecnologia”, argumenta o ex-diretor do Banco Central.

“Nós não temos nenhum tipo de liderança no setor de tecnologia, com raras exceções como a Embraer. Ainda assim, não somos uma economia voltada à produtividade. Se você quer crescer tem que olhar para as políticas públicas e perguntar se vão resultar em crescimento. Mas fazemos a escolha de não crescer para privilegiar outras pautas.”

Não obstante, Robson Gonçalves relembra que grande parte do pessoal capacitado do Brasil busca oportunidades em outros países, como os Estados Unidos.

“O Brasil sofre com um problema seríssimo de exportação de cérebros que está nos custando caro. Embora o home office tenha flexibilizado, a grande maioria dos jovens das melhores universidades pretende ir embora do país. Além dessa dificuldade, temos outra que é a atratividade para manter centros de tecnologia”, afirma o economista da FGV.

A lição comparativa que os economistas tiram disso é que o país para crescer precisa buscar estar na fronteira da produtividade, que hoje principalmente se encontra no setor de tecnologia, segundo os economistas.

Peso do dólar no mundo

Os EUA se beneficiam também por serem o emissor da moeda padrão para os negócios internacionais, o que lhes dá graus de liberdade fiscal e em contas externas.

Em 1944, foi realizada a Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, sediada em Bretton Woods, New Hampshire, nos Estados Unidos.

O objetivo central da reunião era firmar um sistema monetário estável que pudesse promover o crescimento econômico global após a Segunda Guerra Mundial e evitar as políticas protecionistas que haviam exacerbado a Grande Depressão nos anos 1930.

A conferência foi o berço do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o embrião do Banco Mundial; e firmou um sistema que colocou o dólar em posição prioritária e privilegiada para as transações internacionais.

Volpon nota que os EUA, como emissores do dólar, conseguem financiar um forte consumo, bancar grandes níveis de dívida e pautar o comércio com seus parceiros.

“O euro é relevante, mas não tem o mesmo poder que o dólar norte-americano. É uma zona econômica por ter uma moeda única, mas na questão fiscal, por não ter uma dívida centralizada, não tem a mesma força que os Estados Unidos como país”, avalia o ex-BC.

Por conta dessa confluência muito específica dos fatores apresentados, Robson Gonçalves avalia que essa realidade dos EUA não é possível de ser copiada.

Mas, ainda que tenha provado sua resiliência nos últimos anos, o crescimento econômico do país deve desacelerar nos próximos anos, observa Volpon, “à medida que se exaurir com nível de dívida, juros e câmbio insustentáveis”.

Com a vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas, a perspectiva é de que as medidas econômicas do republicano movimentem a economia do país num primeiro momento, mas agravando os níveis de dívida e inflação dos EUA, o que deve manter os juros mais elevados por mais tempo no país.

Redação CNPL sobre artigo de João Nakamura / CNN .