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Há dois meses no cargo, o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Antonio José de Barros Levenhagen, acompanha de perto um dos temas mais polêmicos da esfera trabalhista: a terceirização. O mineiro de Baependi mostra preocupação com o Projeto de Lei 4.330, de 2004, que regulamenta a questão. Espera que a proposta, em tramitação na Câmara dos Deputados, “não precarize demasiadamente essa relação de trabalho”. Por outro lado, acredita que é hora de “permitir alguma flexibilização na nossa jurisprudência”, permitindo terceirização de atividade-fim.
Hoje, segundo Levenhagen, o maior desafio do Judiciário é conciliar agilidade com segurança e qualidade. “Quase todos os ministros do TST resistem à tentação de julgar por julgar. Com isso, não raro sofrem de sequelas físicas”, afirma o ministro, que carrega uma marca de seus 35 anos de magistratura: uma calcificação do ombro direito. Para ele, porém, não havia outro caminho que não a magistratura, admite na entrevista que deu ao Valor em seu gabinete no TST. A seguir, os principais trechos da conversa.
Quais são os principais desafios da Justiça do Trabalho?
Antonio José de Barros Levenhagen: A Justiça do Trabalho tomou, pela atuação de seus magistrados, uma importância significativa na solução dos conflitos sociais. Ela se pauta muito pelo equilíbrio, de modo a dar ao empregado o direito que a lei lhe reconhece, mas sem se esquecer que a decisão deve ser equilibrada para que não afete demasiadamente o empregador. O direito é uma ciência viva, que deve se atualizar constantemente à medida que as novas injunções econômicas e sociais vão exigindo essas atualizações.
Um desses avanços é a terceirização?
Levenhagen: Sim. Não havia, na ocasião em que ela se iniciou, uma roupagem jurídica de proteção ao empregado terceirizado, e o TST foi chamado a dar essa roupagem. Na época, havia muitas empresas aventureiras, que contratavam mão de obra, cediam a outras empresas e, ao final, não tinham recursos para o pagamento dos direitos trabalhistas. Esse foi o primeiro momento, em que o direito do trabalho evoluiu sem uma legislação específica. Agora, estamos em uma nova etapa, em que a terceirização é feita por meio de empresas especializadas, com estruturas sólidas.
O TST poderia, então, alterar sua jurisprudência sobre terceirização?
Levenhagen: Agora se pensa em permitir alguma flexibilização na nossa jurisprudência na hipótese de terceirização de atividade-fim. Um exemplo prático é a área de tecnologia da informação. É mais prático e econômico para as empresas contratarem alguém especializado no assunto, diante da rapidez com que essa tecnologia evolui.
Qual sua opinião sobre o projeto de lei que regulamenta a terceirização?
Levenhagen: Esperamos que o projeto de lei [nº 4.330, de 2004] não precarize demasiadamente essa relação de trabalho. Se for permitido terceirizar toda a atividade-fim, nós vamos chegar a uma situação em que determinada empresa será apenas um escritório, e todo o parque fabril estará nas mãos de terceirizadas.
O senhor defende alguma alteração na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)?
Levenhagen: A estrutura normativa da CLT, que diz respeito à qualificação do empregado e empregador, jornada de trabalho e férias está muito atualizada. Então, não há necessidade de se alterar esses pontos. O que ela precisa são de mudanças pontuais, o que tivemos agora com a PEC [Proposta de Emenda Constitucional] das empregadas domésticas.
Além da terceirização, qual outro tema chama a atenção na pauta do TST?
Levenhagen: Um dos temas mais recorrentes são as ações de indenização por danos material e moral provenientes de acidentes de trabalho e doenças profissionais. Atualmente, os índices de acidentes e doenças profissionais são bastante significativos, tanto que estamos lançando o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho com o slogan ‘É melhor prevenir’. Este programa é uma parceria do TST com o Executivo.
Existem atualmente muitos processos sobrestados no TST por conta de julgamentos no STF?
Levenhagen: A repercussão geral foi concebida com a melhor das intenções, mas é preciso julgar essas questões quando são colocadas em repercussão geral. O Supremo, talvez porque esteja assoberbado de serviço, não tem conseguido julgar todas as questões que colocou em repercussão geral. Aí ocorre um fenômeno muito interessante: o STF fica com relativamente poucos processos, ao passo que os tribunais de origem ficam com uma soma considerável de ações. O sistema é bom, mas é preciso dar agilidade.
Quais são os temas com a maior quantidade de processos sobrestados?
Levenhagen: Um dos temas é a questão da responsabilidade subsidiária da administração pública na contratação de empresas terceirizadas. Quando eu deixei a vice-presidência, nós estávamos com 25 mil processos sobrestados sobre esse tema só aqui no TST e, possivelmente, esse número vá aumentar ainda mais porque não há perspectiva de julgamento [no STF]. A terceirização de call center é outro assunto. Deve-se ter hoje entre cinco e seis mil processos parados à espera de uma definição.
Existem projetos para agilizar a tramitação dos processos?
Levenhagen: Temos aqui o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do TST. Estou incrementando esse centro para que ele possa capacitar ainda mais os servidores que colaboram com os ministros. Os servidores não substituem o ministro, mas eles apresentam uma minuta de voto. O ministro lê e, se é razoável, libera. Do contrário, faz alterações. Essa é uma forma de auxiliar. Eu, por exemplo, tenho a felicidade de contar com um grupo de assessores de altíssima qualidade. Quando eles redigem a minuta do voto, é como se eu tivesse redigido.
Qual é o tempo médio de tramitação de uma ação?
Levenhagen: O tempo varia de pedido para pedido. Nós temos [no TST] uma peculiaridade que não se verifica em outros ramos do Judiciário: cada ação trabalhista tem um rol considerável de pedidos. A sociedade precisa entender que no TST a sobrecarga de trabalho é muito grande. Quase todos os ministros resistem à tentação de julgar por julgar. Com isso, não raro sofrem de sequelas físicas, como problemas de coluna, calcificação do ombro direito, como eu tenho, e infecção dos nervos do cotovelo. São 35 anos de magistratura começando com a máquina de escrever. Nosso grande desafio, hoje, é conciliar agilidade com segurança e qualidade das decisões.
Contexto
A terceirização é tratada no Tribunal Superior do Trabalho (TST) por meio da Súmula 331, que dentre outros pontos determina que, caso a empresa terceirizada não cumpra com suas obrigações trabalhistas, será responsabilidade do tomador de serviços arcar com eventuais verbas a serem pagas aos contratados.
O texto destaca ainda que não há vínculo de emprego entre a companhia e o terceirizado, desde que esteja comprovado que não havia relação de pessoalidade ou subordinação direta entre o funcionário terceirizado e a empresa contratante. Isso significa, na prática, que os terceirizados não podem receber, por exemplo, ordens diretas dos responsáveis pela empresa à qual prestam serviços.
“Se o empregado terceirizado comete alguma falta o empregador deve se dirigir aos responsáveis pela empresa terceirizada, mas nunca dar uma advertência ao funcionário, por exemplo”, afirma a advogada Dânia Fiorin Longhi, do escritório Fiorin Longhi Sociedade de Advogados.
Um dos pontos mais polêmicos relativos ao tema, entretanto, é o entendimento de que a terceirização não pode ocorrer na atividade-fim da companhia. O tribunal superior interpreta que não é
permitido terceirizar atividade que está diretamente ligada ao serviço ou produto final.
“Uma indústria de confecção não pode terceirizar as costureiras ou o modelista, mas pode terceirizar o jurídico, o setor de RH, a segurança e a limpeza”, exemplifica Dânia. O tema é discutido em vários processos, tanto no TST quanto no Supremo Tribunal Federal. Um exemplo é uma ação envolvendo a Vivo, que aguarda julgamento do Supremo. O processo, que tem como relator o ministro Gilmar Mendes, discute a possibilidade de a companhia terceirizar seu serviço de call center.
Fonte: Valor Econômico
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