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“A Reforma Trabalhista não liberta, ela escraviza”, diz ministro do TST

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Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) desde 2006, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho é uma das vozes do Judiciário contra a Reforma Trabalhista e a Terceirização. “A Reforma Trabalhista tem sido anunciada como se fosse algo moderno e benéfico. Ela na verdade desconstrói o Direito do Trabalho até então sedimentado em todo território nacional, ela abala todas as estruturas que justificam o Direito do Trabalho.” “Temos no Direito do Trabalho uma legislação especial feita para equilibrar uma relação desigual e que agora será invertida. Ela passa a proteger o empregador. Seria melhor revogar a CLT e mandar aplicar o Código Civil que seria mais benéfico do que ficar com essa reforma”, afirma o ministro.

Vieira de Mello conversou com o site da CNTC e com o Jornal da CNTC sobre a matéria:

Como o senhor avalia o projeto de Reforma Trabalhista que tramita no Congresso Nacional?

É necessária uma conscientização do momento que o Brasil está passando, principalmente no que diz respeito à preservação dos direitos sociais e à preservação dos direitos dos trabalhadores. A Reforma Trabalhista tem sido anunciada como se fosse algo moderno e benéfico. Ela na verdade desconstrói o Direito do Trabalho até então sedimentado em todo o território nacional; ela abala todas as estruturas que justificam o Direito do Trabalho.

A sociedade brasileira não tem ideia do que vai acontecer. Os trabalhadores não têm ideia das consequências. Ela impacta no modelo de justiça empregado hoje em nosso país. Ela é uma lei anomalamente produzida de uma forma para que seja imposta à sociedade brasileira. Por isso que o tempo é um grande instrumento em prol do Direito. O Direito não gosta da pressa. E isso vai fazer com que no regime normal, com um governo legítimo e representativo, nós tenhamos, quem sabe, a revisão disto que possivelmente passará. Mas a Reforma Trabalhista suprime direitos dos trabalhadores.

Como o senhor vê a jornada intermitente?

Imagine uma jornada de trabalho em que você fica à disposição do empregador para ele te convocar quando ele quiser. Você vai trabalhar duas horas, vai receber sem garantias e estabilidades. Como o trabalhador vai sustentar a família, sem garantia nenhuma? Nunca vi nada tão tenebroso, difícil imaginar. Não poderia imaginar que o legislador fosse fazer algo nessa proporção. Estão fazendo isso com uma parcela da população desprotegida; com quem é indefeso. Acho uma covardia.

É cruel essa proposta do contrato intermitente. Pior, a jornada intermitente. Nós vamos lembrar daqueles grandes exemplos de filmes de antigamente com enormes armazéns onde ficava uma enormidade de trabalhadores encostados esperando o empregador sair e falar: você trabalha hoje 2 horas. No final verifica-se quantas horas trabalhou e paga o funcionário. Tiram qualquer segurança do trabalhador, que fica à disposição do empregador, mas não tem segurança alguma do salário que receberá. Como poderá sustentar a sua família sem nenhum tipo de segurança?

Os defensores da Reforma Trabalhista dizem que ela irá gerar novas vagas de trabalho, como o senhor vê isto?

Nenhuma lei é capaz de gerar emprego. O que gera emprego é crescimento e desenvolvimento econômico. Não é só crescimento econômico, porque sem desenvolvimento significa que há enriquecimento de uma parcela da sociedade, aquele 1% mais rico.

Eles dizem que querem aumentar o emprego, mas aumentam a jornada. Significa que estou reduzindo postos. Todo esse discurso, quando ele é raciocinado com tempo se pode inferir o que essa lei faz; ela está sendo votada apressadamente para não dar tempo para que as pessoas possam conhecê-la.

Nós já tivemos com essa mesma legislação em um momento de pleno emprego, e ninguém falou em acabar com a CLT. Agora que houve um processo político que desconstruiu o país, tornou-o ingovernável, que acarretou um período de instabilidade e insegurança e que consequentemente devassou também a economia. Acabou com o crescimento e agora a CLT é a culpada. Se temos crescimento, desenvolvimento e distribuição de renda, o ciclo volta para o mesmo lugar. O empregador esqueceu que no momento em que ele emprega, o próprio empregado irá consumir os bens que está produzindo. A economia volta a circular. Mas se você vai reduzir os salários, a ponto de os empregados ganharem apenas o suficiente para comer e sustentar minimamente a família, ficará difícil manter o consumo e o crescimento econômico. Teremos um país onde as pessoas irão ganhar de um a três salários mínimos.

E sobre a redução do intervalo de descanso dos empregados?

Dizem que com a redução do intervalo você poderá ir mais cedo para casa, isso é mentira. O que nós sabemos, por exemplo, é que o maior número de acidentes acontece justamente no retorno do intervalo, e o intervalo existe para a preservação física do trabalhador. Estudos feitos pela OMS provam a necessidade do intervalo. Ao longo de sua vida o trabalhador sentirá as consequências em sua saúde. O Direito do Trabalho busca exatamente isso, algo que seja civilizado, que resguarde um patamar mínimo de existencialismo ao trabalhador.

E o negociado sobre o legislado?

O negociado sobre o legislado desconstrói o Direito do Trabalho. Simples assim. O Direito do Trabalho passa a ser direito comum, ou seja, Direito Civil. A negociação é para um patamar acima daquilo que estabelece a lei, mas vão partir para negociações abaixo daquilo que está garantido. Abaixo do mínimo.

A convenção coletiva sai, como se fosse um elevador de um prédio, do térreo e vai pra cima. O térreo está sempre lá. A negociação vai fazer com que se faça um lobby para a criação de dois andares para baixo. O elevador vai descer e o sindicato vai trabalhar para não descer o elevador. Não vai trabalhar para subir, vai trabalhar para impedir que desça. Os horizontes não estão bons.

Temos, no Direito do Trabalho, uma legislação especial feita para equilibrar uma relação desigual e que agora será invertida. Ela passa a proteger o empregador. Seria melhor revogar a CLT e mandar aplicar o Código Civil, que seria mais benéfico do que ficar com essa reforma.

Muitos afirmam que a Justiça do Trabalho é protecionista, por isso a necessidade de se rever a legislação.

O discurso de protecionismo do Direito do Trabalho é muito curioso. A legislação do trabalho é protecionista mesmo; ela nasceu exatamente para estabelecer, mediante a lei, um equilíbrio entre desiguais. O empregador detém poder diretivo, poder de organização, ele tem o poder de controle da concentração econômica e o controle da empresa. Como é que uma pessoa pode dizer que um empregado no âmbito de uma empresa tem alguma condição de debater de igual para igual com o seu empregador? É impossível. Imagina no setor de comércio o que significará essa lei em relação aos contratos intermitentes. Será uma precarização ampla. Isso sem falar na terceirização. A terceirização é um instrumento de redução de custo. Daquele que está na base da pirâmide. Ele está transferindo um ônus que é de toda a sociedade para aqueles que são os mais vulneráveis.

Temos a legislação trabalhi sta que é protecionista, aí a retórica não é a justiça e sim a legislação. E é para isso que existe a Justiça do Trabalho. Podemos ter o mesmo raciocínio com o consumidor, a legislação protege o consumidor, e isso ninguém fala, ninguém vai discutir a extinção da lei do consumidor. Temos o Direito Ambiental, cuja legislação protege o meio ambiente exatamente contra a força avassaladora do mercado, porque, caso contrário, acabaremos com tudo que existe de preservação ambiental no país. E do mesmo jeito o antitruste, são quatro legislações de proteção, porque elas corrigem assimetrias da sociedade. Ninguém fala em acabar, a menos que estejamos caminhando para um patamar menos civilizatório.

As leis em geral libertam; essa lei escraviza.

O senhor faz parte do grupo de 17 ministros do TST que assinaram um documento entregue ao Senado com críticas à proposta de Reforma Trabalhista. Vocês tiveram algum retorno da Casa ou do relator da proposta?

Fizeram algumas sessões no Congresso para ouvir o contraditório, mas num curto prazo. Porque uma reforma desse tamanho não poderia tramitar nesse curto prazo. Eram debates que deveriam durar de dois a três anos, para que se construísse algo de consenso, sério e equilibrado. Mas foram ouvidas pró-forma, nada aconteceu, nenhuma manifestação em sentido contrário ao que já objetivavam fazer. Tanto pode-se ver que na tramitação na CAE do Senado se propõe um relatório sem alteração. O relator propõe que algumas mudanças sejam feitas por Medidas Provisórias e pontos sejam vetados pelo presidente da República. O negócio é aprovar porque a chance é essa. É quando o próprio Congresso anuncia que a pauta é feita pelo mercado, como se vivêssemos uma Constituição liberal, e a nossa Constituição é social. Ela equilibra o valor do trabalho humano com a livre-iniciativa. Com o argumento de que é importante para o país, apressam a tramitação. Resta saber para que parcela isso interessa.

Caso a Reforma Trabalhista seja aprovada nas próximas semanas, como ficará o Direito do Trabalho? O senhor acredita em uma discussão no STF?

Eu acho que irá suscitar ainda muito debate. Essa lei não traz nenhuma segurança, ela trará uma profunda insegurança. Os tribunais vão parar, existem inúmeras potencialidades de inconstitucionalidade a serem examinadas. São tramitações processuais que irão se alongar, consequentemente irão paralisar os tribunais. Quem serão prejudicados? Os trabalhadores que estarão precisando do socorro da Justiça.

Nós teremos muitas questões a serem debatidas ao longo desse caminho. Ninguém sabe, na verdade, como isso vai ficar, me desculpe o pessimismo, mas eu realmente tenho uma visão muito ingrata da reforma. Repito: ela não liberta, ela escraviza.

Foto: Raul Lennon

Matéria: Marina Barbosa – Ascom CNTC 

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