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A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Wilton Junior/Estadão
A exploração de petróleo na Margem Equatorial, região costeira entre o Rio Grande do Norte e o Amapá, tem colocado de lados opostos ambientalistas brasileiros e o setor de óleo e gás. Dentro do governo, a disputa também coloca em campos divergentes o Ministério de Minas e Energia (MME), a Casa Civil e a própria Presidência da República, e o Ministério do Meio Ambiente, ao qual o Ibama é subordinado.
Técnicos do instituto concluíram na quarta-feira, 26, um parecer sobre o licenciamento para pesquisa do bloco 59 na Bacia Foz do Amazonas pela Petrobras, recomendando a rejeição do pedido.
A avaliação, publicada pelo jornal O Globo e confirmada pelo Estadão/Broadcast, ainda é preliminar, cabendo à presidência do órgão a decisão final.
Há duas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu o tom e criticou o que chamou de “lenga lenga” do Ibama para conceder licenças de exploração na área.
“O que não pode é ficar nesse lenga-lenga, com o Ibama sendo um órgão do governo e parecendo ser contra o governo”, declarou.
A ministra Marina Silva, por sua vez, afirmou que o órgão decidirá de forma técnica, qualquer que seja o resultado.
A Petrobras tenta receber a licença para começar a exploração da área, que, tecnicamente, significa uma fase de pesquisa, anterior à produção propriamente dita.
Pelo lado ambiental, o argumento é que a continuidade da produção de energia fóssil pelo Brasil contribuirá para agravar ainda mais o aquecimento global – o ano de 2024 foi o mais quente já registrado no País e no mundo, com eventos climáticos extremos, como ondas de calor e seca extrema, se tornando cada vez mais intensos e frequentes nos biomas –, além de comprometer a imagem de liderança climática que o País busca construir à frente da COP-30.
O setor de petróleo brasileiro, por sua vez, admite a gravidade do problema, mas entende que a transição precisa ser feita com cautela.
O argumento é de que a produção de petróleo representa apenas 1% das nossas emissões e que o grande vilão do País continua sendo o desmatamento.
Além disso, aponta que a demanda por petróleo continuará subindo e que, se o País não explorar novos campos, a produção começará a cair em 2032.
Com isso, em 2038, o Brasil voltaria a se tornar importador líquido, com grande impacto sobre a economia.
Veja os argumentos de ambos os lados:
Meio Ambiente
Para especialistas ouvidos pela reportagem, os riscos ambientais, climáticos e reputacionais de perfurar a região do bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas, não compensam eventuais benefícios competitivos do Brasil no mercado de petróleo, caracterizando a abertura de novos campos de exploração como uma aposta arriscada e equivocada no contexto da crise climática.
Eles destacam que as reservas de petróleo prospectadas na bacia sedimentar Foz do Amazonas ainda são uma hipótese, e que a perfuração de poço exploratório já traz riscos para a biodiversidade e a subsistência de populações tradicionais locais, que dependem do ecossistema marinho.
A região é permeada por áreas protegidas, possui mangues, que constituem “bancos de carbono” ainda bem preservados, e um sistema de recifes de corais pouco conhecido (veja mapa abaixo).
Além da sensibilidade do ecossistema, estudos documentam a força das correntezas na região: na ocorrência de vazamento, elas levariam a um rápido espalhamento do óleo, comprometendo a fauna e atingindo até mesmo territórios estrangeiros.
A coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, é uma das que apontam esses riscos.
Ex-presidente do Ibama, Araújo chegou a negar o pedido de licenciamento para a perfuração em regiões próximas ao território em 2018 por não encontrar, na época, garantias de ordem técnica que comprovassem a viabilidade da perfuração diante da sensibilidade da região.
O mesmo, segundo ela, ocorre no pedido referente à exploração do bloco FZA-M-59, que foi negado em 2023 pelo órgão e vem sendo alvo da atual queda de braço.
Técnicos do Ibama recomendaram novamente que o pedido seja negado, em parecer preliminar.
“Uma perfuração em uma região sensível como essa, com correntes fortíssimas, potencializa acidentes. A preocupação principal nesse processo é que a Petrobras demonstre a capacidade de resposta em caso de eventuais vazamentos”, explica Araújo.
“É uma região complexa, com correntes muito mais fortes que o usual, com uma diversidade biológica alta ainda pouco estudada, a poucos quilômetros do grande sistema de recifes amazônicos. Em caso de acidentes, por exemplo, em menos de dez horas, o petróleo já estaria nas águas da Guiana Francesa”.
Além do risco potencial de contaminação, o projeto de intensificar a exploração de petróleo agrava a crise climática, avalia.
A pressão do governo federal pela exploração transmite mensagens contraditórias ao mundo quanto às pretensões de transição energética do País, que será sede da COP-30 em novembro.
“Assumir o petróleo como solução para os problemas do País em plena crise climática é olhar para o passado. É um negacionismo da intensidade da crise climática”, argumenta Araújo, que vê na pauta a principal contradição na política ambiental e climática do governo Lula.
“Mesmo que o Brasil exporte esse petróleo, ele vai ser queimado em algum lugar e vai gerar gás de efeito estufa”.
No cenário projetado pelo Observatório do Clima em estudo recente, o consumo total de combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo, gás fóssil e derivados) no País deveria ser reduzido em 76% de 2022 até 2050.
O estudo considera a produção de combustíveis fósseis apenas necessária para o atendimento do mercado interno, em que a demanda cai conforme a substituição desses combustíveis (por exemplo, pela redução do uso do automóvel, aumento da eficiência energética, entre outras), em linha com os compromissos globais de descarbonização.
A presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, é contrária à perfuração e diz que, com o movimento, o “Brasil está flertando com um desastre potencial, tanto ambiental quanto reputacional”.
Ela pontua que o País construiu uma imagem baseada em um imenso potencial para a produção de energias renováveis, mantendo o papel de protetor da Amazônia.
O avanço da exploração de petróleo nessa região acaba sendo uma contradição dessa narrativa, diz.
“É um recado para o mundo de que o Brasil ainda está apostando em combustíveis fósseis no meio de uma crise climática, colocando em risco nossa reputação no ano em que somos presidentes de uma COP do clima”, afirma Unterstell.
“A temperatura do planeta não vai parar de aumentar se novos poços de petróleo forem escancarados. A contribuição que o Brasil daria neste momento em que já beiramos 1,5ºC de aumento da temperatura pode ser muito significativa. A questão é: o Brasil quer ser visto como um líder na transição energética ou apenas como mais um país preso ao passado?”, questiona.
Setor de petróleo
O setor de óleo e gás pressiona o Ibama para autorizar a exploração da Margem Equatorial porque enxerga um cenário difícil à frente, com consequências sobre várias áreas da economia: volta da importação líquida de petróleo, diminuição de pagamento de royalties, impostos e participações especiais para as três esferas de governo, além de desequilíbrios na balança comercial brasileira, com tendência à desvalorização do real moeda e redução de aportes no fundo social e investimentos.
Segundo cálculos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a produção de petróleo no Brasil vai subir até 2030, para logo em seguida entrar em um longo processo de declínio – o que tende a fazer com que o País volte a ser obrigado a importar o produto em 2038.
A produção, que hoje está em 3,6 milhões de barris por dia, subirá para 5,3 milhões em 2030.
Já no ano seguinte, contudo, o número cairá para 5,1 milhões, reduzindo para 4,7 milhões em 2032, e assim sucessivamente. Em 2055, a produção seria de apenas 0,5 milhão de barris.
“Estimamos a produção com as reservas atuais e também fizemos cenários para a demanda. Cruzando a demanda esperada com o declínio de produção, a gente projeta voltar a ser importador líquido em 2038. O resumo da ópera é que não é possível abandonar o combustível fóssil por um mero exercício de voluntarismo”, afirma a diretora de petróleo e gás da EPE, Heloisa Borges.
Esses cálculos apontam que o consumo de derivados de petróleo, principalmente para o setor de transportes, continuará crescendo.
As medidas aprovadas pelo Congresso na direção da transição energética ajudam a melhorar esse quadro, mas apenas desaceleram o ritmo de alta para os próximos anos.
“Independentemente de como o petróleo vai ser fornecido, seja por produção própria ou por importação, o Brasil vai precisar dessa energia. O transporte é um setor em que a gente vê a demanda crescendo, e o nosso consumo é muito fóssil. Ele difere, por exemplo, do crescimento da energia elétrica residencial, que tem mais fontes renováveis”, completou Borges.
A EPE traçou cinco cenários de consumo (veja gráfico abaixo). O primeiro mostra o que aconteceria se diversos programas de transição não tivessem sido aprovados.
Ele serve de referência para mostrar que o País já deu passos importantes na direção da transição, como a aprovação, por exemplo, do projeto de lei do combustível do futuro (PL 4.516 de 2023).
Ainda assim, em todos os cenários há aumento de demanda por derivados de petróleo, medida em barris de petróleo equivalente por dia (boe/d).
“A demanda nacional de derivados de petróleo é crescente e se mantém acima de 3 milhões boe/d em 2050 em todas as trajetórias avaliadas. Na trajetória com maior fomento aos biocombustíveis, eles podem deslocar mais de 1 milhão boe por dia de petróleo em 2050, mas a demanda nacional de derivados de petróleo ainda cresce 700 mil até 2050”, diz estudo da EPE.
Em nota enviada ao Estadão, a Petrobras afirmou que a exploração da Margem Equatorial é fundamental para evitar que o País volte a ser importador de petróleo na próxima década. E ressalta as projeções de crescimento da demanda por derivados de petróleo.
“Ampliar fronteiras exploratórias no Brasil é essencial para garantir a segurança e soberania energética do Brasil, evitando que passe de autossuficiente para importador de petróleo nos anos 2030. Importante destacar que a demanda de petróleo se mantém essencial, sendo que no Brasil e região, se projeta de forma crescente, tendo seu pico em 2030, mas sendo maior em 2050 do que em 2021”.
Ainda segundo a Petrobras, o barril de petróleo explorado em outras regiões do mundo emite, em média, 70% a mais do que o petróleo extraído do pré-sal.
O presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Roberto Ardenghy, diz que, nesses cenários, o que vai acontecer é que o Brasil passará a importar um petróleo que tende a ser mais danoso ao meio ambiente do que o óleo produzido no País.
Ele diz que a Índia está aumentando o seu consumo de petróleo a um ritmo de 7% ao ano, e que o petróleo produzido no Brasil, na média, é menos poluente do que o de outras partes do mundo.
“Para produzir um barril de petróleo do Canadá, você emite 65kg de CO2 por barril. No Brasil, no pré-sal, a gente faz esse mesmo barril por 11kg. O mundo trocará esse petróleo brasileiro por outro, provavelmente com maior emissão”, disse.
A produção de petróleo, diz, representa 1% das emissões do País, sendo que 18% vêm do consumo de energia (incluindo a produção de petróleo).
No caso brasileiro, o desmatamento é o grande vilão na luta contra o aquecimento global, afirma.
Ele lembra a decisão do governo Lula de não aumentar a mistura de biodiesel no diesel, pelo seu impacto que isso poderia ter na inflação, como um exemplo das dificuldades reais da transição energética.
Ardenghy refuta a visão de alguns ambientalistas de que o Brasil precisa apenas parar de exportar o produto para que ele seja direcionado ao consumo interno.
“Todos os países produtores de petróleo exportam e importam petróleo. Isso porque o tipo de petróleo é adaptado para um tipo de produto. Por exemplo: querosene de aviação e lubrificantes dependem de petróleo leve, que vem da Arábia Saudita. Isso acontece na Refinaria Duque de Caxias (Reduc), aqui no Rio de Janeiro”, explicou.
Para o professor Edmar Almeida, do Instituto de Energia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o Brasil precisa voltar a fazer testes de exploração, não para aumentar a produção, mas para, pelo menos, manter o patamar atual.
“O Brasil praticamente parou de procurar novas reservas, o esforço exploratório está pífio. Dessa forma, o país vai passar a ser importador de petróleo em algum momento. É importante continuar o seu esforço exploratório, não apenas na margem equatorial, mas também em outras áreas, como a bacia de pelotas, na região amazônica também”, disse.
Pelos cálculo da EPE, somente em royalties e participações especiais, a União teria perdas acumuladas de R$ 2,91 trilhões entre 2032 e 2055, pela queda da produção
Veja abaixo os riscos apontados pelo setor de petróleo:
Redação CNPL sobre artigo de Alvaro Gribel, Juliana Domingos de Lima e Shagaly Ferreira / OESP
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