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‘Uma BR do mar’: São Paulo e Paraná querem reativar canal marítimo aberto há 70 anos

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  • 10 de outubro de 2024

Varadouro está desativado e pode ser transformado em uma nova rota navegável para alavancar o turismo; assoreamento impediu circulação na área mais de três décadas atrás

Canal do Varadouro, no Paraná, será espécie de “BR no mar”. Foto: Paraná Projetos/Divulgação

Um dos lugares mais selvagens e intocados do litoral do Sudeste, em meio a manguezais e Mata Atlântica, poderá ser frequentado por turistas e pescadores no futuro. Uma parceria entre dois governos de São Paulo e do Paraná pretende reativar um canal marítimo aberto há 70 anos para interligar os litorais dos dois Estados.

O Canal do Varadouro, que no passado serviu para o escoamento de pesca e até transporte de passageiros, está desativado para navegação há mais de três décadas devido ao assoreamento.

O governo do Paraná, que detém a maior parte do canal, entrou com pedido no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para aprofundar e alargar a passagem marítima que sofreu estreitamento ao longo dos anos. O objetivo é criar uma nova rota turística navegável entre os dois Estados.

Área abriga mangues e remanescentes de Mata Atlântica Foto: Divulgação/Paraná Projetos

Para o governo de São Paulo, o projeto pode alavancar o turismo no extremo sul do seu litoral, região que tem grande potencial, mas ainda é pouco procurada pelos visitantes.

Apenas o Parque Estadual Ilha do Cardoso, em Cananeia, tem fluxo permanente de turismo ecológico.

A reportagem pediu informações ao Ibama sobre os estudos para reabrir o Canal do Varadouro, mas não obteve resposta.

Em agosto, o projeto foi apresentado no 9.º Congresso Internacional de Náutica, em São Paulo.

“A pesca esportiva é o segundo esporte mais praticado no Brasil, movimentando as regiões costeiras e as cadeias do setor, com a construção de marinas e a indústria de embarcações. É por isso que esperamos concretizar esse projeto do Canal do Varadouro, uma espécie de ‘BR do mar’”, disse, na ocasião, o governador Ratinho Júnior (PSD).

Em março do ano passado, os secretários de turismo do Paraná, Márcio Nunes, e de São Paulo, Roberto de Lucena, assinaram protocolo de intenções de ações conjuntas para revitalizar o Canal do Varadouro.

Conforme a Secretaria de Turismo de São Paulo (Setur), a exemplo do Paraná, também foram iniciados estudos para a dragagem da parte paulista do canal. “Estamos em tratativas com o Departamento Hidroviário (órgão do Executivo paulista) e discutindo a melhor forma de fazer a dragagem”, informou. 

Projeto prevê trapiches e apoios náuticos maiores para atender às necessidades específicas do turismo. Foto: Reprodução/Secretaria do Planejamento do Paraná

 Canal formou ilha

Com seis quilômetros de extensão, o canal liga Paranaguá, no Paraná, a Cananeia, no extremo sul paulista, passando pelas ilhas das Peças e de Superagui.

Hoje parque nacional, a Ilha do Superagui fazia parte do continente até se tornar ilha devido à abertura do canal, nos 1950.

Atualmente, o canal tem trechos não navegáveis – há pontos com bancos de areia em que já é possível atravessar a pé.

O projeto prevê alargar o curso d’água, deixando o canal com largura mínima de 30 metros, e utilizar dragas para aprofundar a calha em até 2,4 metros.

Com isso seria possível a passagem de iates e barcos turísticos, além de permitir a pesca embarcada.

Outra possibilidade, segundo o governo paranaense, é utilizar a rota para transportes de passageiros entre a Baía de Paranaguá e as cidades paulistas de Cananeia, Iguape e Ilha Comprida.

O trecho terá 160 pontos de sinalização náutica com boias, além de apoios náuticos com estrutura de madeira, banheiros, conveniências, ambulatórios e áreas de espera.

Nas comunidades de Guapicu, Ararapira, Sebuí e Barbados foram propostos trapiches de pequeno porte.

Já nas comunidades de Superagui e Ilha da Peças, com maior potencial turístico, serão construídos píeres para barcos maiores.

O anteprojeto de dragagem e de sinalização náutica do Varadouro foi encomendado pela Secretaria de Planejamento do Estado do Paraná à Universidade Livre do Meio Ambiente (Unilivre), sediada em Curitiba.

Um estudo de batimetria identificou 22 pontos em que o canal está muito raso, dificultando a passagem de barcos.

Segundo o secretário de Planejamento do Paraná, Guto Silva, mesmo com o canal assoreado, os habitantes das comunidades tradicionais da região ainda usam a passagem marítima para se locomover em barcos pequenos.

“O canal está no coração da Mata Atlântica. Tem potencial para turismo náutico, podendo trazer gente de São Paulo para navegar no litoral do Paraná, o que também vai gerar empregos para os ribeirinhos”.

Os dois Estados têm frota náutica expressiva.

A de São Paulo é a maior do País, com 181 mil embarcações, enquanto a do Paraná é a terceira, com 95,1 mil, logo atrás da frota do Rio de Janeiro.

Nos dois Estados, quase a metade da frota é composta por barcos aptos para o turismo náutico.

Dados da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) apontam que São Paulo foi o Estado que mais recebeu turistas estrangeiros no primeiro semestre deste ano (1,1 milhão), enquanto o Paraná ficou em quarto lugar (507 mil). Desde o ano passado, o Paraná está na rota dos cruzeiros que viajam pela América do Sul e passaram a fazer escala no Porto de Paranaguá.

Entre dezembro de 2023 e março de 2024, cerca de 24 mil turistas embarcaram e desembarcaram na cidade paranaense onde começa o Canal do Varadouro.

O plano é levar esses turistas para a nova atração.

 Objetivo dos governos de São Paulo e Paraná e aumentar o potencial para turismo náutico dos dois Estados. Foto: Reprodução/Secretaria do Planejamento do Paraná 

Vila fantasma

O Canal do Varadouro está na região do Meridiano de Cananeia que, no início da colonização do País, era palco de embates entre portugueses e espanhóis. A linha do meridiano serviu de referência para o Tratado de Tordesilhas, entre Portugal e Espanha, assinado em 1494, dois anos após o descobrimento da América.

Em junho de 1804, a Câmara de Cananeia pediu ao governador geral da Capitania de São Paulo a abertura de uma via de comunicação entre a Baía de Paranaguá e a de Cananeia.

Em 1820, os próprios moradores da região começaram a abrir o canal – o nome “varadouro” vem da necessidade que tinham na época de arrastar suas canoas para “varar” alguns trechos do canal.

Em 1869, foi ordenada a elaboração de um estudo para as obras de abertura do canal, mas só 90 anos depois, em 1956, ocorreu a efetiva construção do canal e do Porto do Varadouro. A rota era usada para pesca, comércio e turismo.

Com as melhorias na rodovia Régis Bittencourt (BR-116) e de outras rodovias, o canal caiu em desuso e sofreu assoreamento.

Atualmente, é mais usado por comunidades ribeirinhas.

À margem do canal fica a antiga Vila de São José de Ararapira que, até a década de 1920, pertenceu a São Paulo e chegou a ter cerca de mil moradores.

Quando o governo federal, na gestão do presidente Epitácio Pessoa, estabeleceu novos limites entre os dois Estados, a vila passou a ser território do Paraná, anexada ao município de Guaraqueçaba.

Os moradores paulistas se mudaram para Cananeia e a vila, com igreja, cemitério, casas e comércio, ficou abandonada. 

Redação CNPL sobre artigo de José Maria Tomazela