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A multiconjugalidade é incentivada pela Justiça

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  • 3 de fevereiro de 2024

A justiça não é, e nem pode ser cega.

É preciso arrostar a vida como ela é e encontrar respostas que imponham a todos a responsabilidade ética pelas próprias escolhas.

Uma realidade que sempre existiu, em todos os tempos e em todos os lugares do mundo: homens mantêm simultaneamente mais de um vínculo familiar.

Apesar disso, a família é – e continua sendo – a base da sociedade.

Mas qual família merece a especial proteção do Estado?

Em um primeiro momento, para garantir que o patrimônio familiar fosse transferido aos seus descendentes “legítimos”, glorificou-se a virgindade feminina como um atributo de sua honra.

Tanto que o marido podia pedir a anulação do casamento se descobrisse que a esposa não era virgem ao se casar.

E mais, ele tinha o direito de matá-la em caso de traição, sob o fundamento de ter agido em legítima defesa da honra.

Cabe lembrar que, além de indissolúvel, o casamento subtraía da mulher sua capacidade plena.

Afinal, ela tinha o dever de obediência ao marido, que era o chefe da sociedade conjugal e o cabeça do casal.

Claro que, de lá para cá, muita coisa mudou, pois o conceito de família se esgarçou, enlaçando estruturas de convívio outras.

O divórcio se transformou em um direito potestativo e a violência doméstica passou a ser severamente reprimida.

Contudo, exemplos de submissão impostos às mulheres, até hoje, não faltam.

Basta atentar à sua participação rarefeita nas estruturas do poder, à desigualdade salarial no desempenho das mesmas funções, à desvalia das atividades de cuidado, historicamente desempenhadas por elas.

O que não mudou é a tendência de os homens manterem multiconjugalidades: famílias simultâneas ou poliafetivas.

Ou seja, o homem tem uma família.

E, apesar de cometer adultério, descumprir o dever de fidelidade, ao constituir outra entidade familiar, não lhe é atribuída nenhuma responsabilidade.

É absolvido. Condenada é sempre a mulher.

E qual das famílias será condenada à invisibilidade?

A mais recente?

A que não está formalizada pelo casamento?

Qual o critério a ser adotado?

Qual das mulheres e respectivos filhos devem ser punidos?

Trata-se de uma lógica absurda que afronta todo o sistema que baliza a sociedade.

As leis são pautas de conduta, impondo sanções a quem as descumpre. Quem comete homicídio vai para a prisão.

Quem causa danos a outrem é obrigado a indenizar.

E por que aquele que mantém duas famílias simultâneas é favorecido?

Alguém dúvida de que tal escolha é fruto do machismo estrutural, fruto de um fundamentalismo que se vem alastrando de uma forma assustadora?

E como as coisas chegaram aonde chegaram?

Ora, o Legislativo é preponderantemente composto por homens.

As Cortes Superiores do Judiciário também.

Claro que existe um certo corporativismo!

Ao não serem reconhecidas como entidades familiares as estruturas de convívio que atendam a todos os requisitos legais, o grande beneficiado é o homem.

Daí cabe questionar. Esta realidade, que muitas vezes conta com a concordância de todos os envolvidos, como afeta a sociedade?

Será que compromete a estrutura do Estado?

Afronta o preceito monogâmico?

Prejudica alguém?

Como todas as respostas necessariamente são negativas, por que este repúdio social, esta injustificável omissão legal, esta cegueira da justiça em atribuir deveres ao homem e negar direitos à mulher que integra uma destas estruturas de convívio?

A justiça não é, e nem pode ser cega.

É preciso arrostar a vida como ela é e encontrar respostas que imponham a todos a responsabilidade ética pelas próprias escolhas.

Redação CNPL sobre artigo de Maria Berenice Dias com o site www.migalhas.com.br